Monday, December 25, 2006

De sexo, rock 'n' roll e viagens noturnas

As frequentes noites de insonia se tornam insuportaveis ate que se decida fazer algo de util com elas. Nas primeiras vezes, leitura. Depois de um tempo, uma massagem antes de deitar. Ate que trocar de roupa e sair pela cidade se torna uma maneira mais inteligente usar o tempo - o retorno pode nao ser completo, mas ajuda a fechar os olhos...
Passei todas as noites deste final de semana na rua. Ora para esperar o sono chegar, ora porque eu queria me perder. Depois de um Sex on the Beach, um Cosmopolitan (do Sex in the City), la estava eu em um show de rock 'n' roll chines. Surpresas a parte, foi uma das melhores coisas que ouvi nos ultimos tempos. E vi. E me perdi, e retornei... Nao sei e nem quero pensar naquilo de mim que ficou nessas noites. Foi como sentir o sangue correr nas veias de novo, depois de dez meses de dormencia e questionamentos.
De surpresas, foi um rockstar chines que me respondeu grande parte das perguntas que eu tinha sobre tudo. E deu certo. Entre Sex on the Beach, G&T e Tingsao (cerveja chinesas), eu e o vocalista da banda transitamos entre os mais variados topicos.
De restos, eu ainda nao sei. Passei o dia com a cabeca no travesseiro hoje. Nada. Nem sono, nem retornos. E o estranho eh que me senti bastante em casa...
China 1 X Fernanda 0.

Thursday, December 21, 2006

De paradoxos (chineses) universais

Shanghai eh uma cidade paradoxal. Buicks dividem espaco nas ruas com bicicletas enferrujadas. Velhos idosos disputam corrida com jovens para entrar nos onibus. A maior e mais movimentada rua do centro eh o endereco da Gucci, Zara, Calvin Klein, Prada etc. A rua de snacks (o lugar mais barato para se comer) fica ao pe da JinMao Tower, o mais imponente predio e simbolo da ocidentalizacao de Shanghai. A melhor colheita eh reservada para oficiais do governo - que se pretende ser um governo igualitario.
Nada eh igual em Shanghai. Depois de um tempo, a logica da cidade faz mais sentido. A gente embarca nela como um local.
Ha cerca de 17 milhoes de habitantes em Shanghai. Todas as manhas, 50% deles dividem-se entre onibus e metro para ir trabalhar. 25% monta em suas bicicletas. 10% caminham. OS outros ficam em casa cuidando dos netos. O transito, se tomado pela conta feita acima, dispensa apresentacoes. Eh caotico - de uma forma bem organizada. Mais um paradoxo: em todas as esquinas ha um policial que orienta o transito. Mesmo sem carros passando, os pedestres nao podem atravessar a rua sem que o sinal esteja aberto. Ha um cronometro bem acima do sinal que mostra quantos segundos ainda temos para atravessar. Mas nada confiavel; os carros continuam vindo - de outras direcoes. Ha muitas motos e bicicletas transitando, o que levou a China a um terrivel costume: a buzina. Motoristas e motociclistas (e tb as bicicletas) buzinam o tempo todo - para pedestres, onibus, outras bicicletas, num jogo de "cuidado que estou passando" e "nao mude a faixa pq estou vindo pela direita". Mas eh engracado esperar pelo onibus e prestar atencao no trafego. Na segunda-feira uma bicicleta passou bem na hora que o sinal fechou, e acabou parando em cima da faixa de seguranca. Nao vinha carro nenhum, mas ele voltou. Voltou e esperou pelo sinal verde novamente.
Na terca-feira decidi me tornar uma local. Depois de perder tres vezes o onibus pela manha, devido a maldita pseudo-educacao gaucha (aquela loucura de gente se empurrando e lutando para conseguir entrar me irritava muito, e eu sempre acabava perdendo meu lugar), decidi que ia lutar pelo meu espaco tambem, afinal, ha muitas vantagens em ser grande na China - desvantagens tb... Mas na terca acordei e pensei: hoje pegarei o primeiro onibus. Ele se aproximou e logo pulei para o inicio da muvuca (!). Empurrei, corri, me agarrei no braco de um senhor e me puxei para dentro. Pronto, la estava eu, colada na porta - mas pronta para chegar a tempo de um cafe antes da escola. Brasil 1 X China 0.
Agora imaginem estes onibus - lotados - e plenamente honestos. Nao ha cobrador. Na porta de entrada, ao lado do motorista, ha uma maquina em que o passageiro deposita o dinheiro (2 yuans, cerca de 25 centavos) ou apresenta o cartao eletronico para debito. Em geral, entre 8h e 9h nao ha como entrar e pagar o onibus naturalmente. Entao, aqueles que ficam esmagados ali na porta ficam passando o cartao daqueles que esperam la fora para embarcar pela porta do meio. E eles esperam mesmo! Nao embarcam antes de pagar sua passagem. Em alguns carros ha um cobrador, mas que nao eh fixo. Em geral eh uma moca que transita entre as pessoas recolhendo moedas e cartoes - e todos procuram-na para pagar. Claro, minha mente brasileira logo pensou: "isso nao pode dar certo". Mas da. Eu mesma fiquei responsavel por depositar as moedas dos que estavam na rua ontem... Apesar de ser um pais incrivelmente pobre (eles ganham cerca de 300 dolares por mes), todos pagam passagem. Deve ser resultado da reforma critica proposta (?!) por Mao em 58 - a criacao da honestidade consciente. (hoje tive minha primeira briga no onibus. Uma mulher que estava atras de mim queria sair, enquanto 30 milhoes de chineses brigavam pelos 20 cm que havia entre mim e a porta. Imaginem...)
Naquela tarde fui a rua dos snacks, onde pode-se comer de tudo (literalmente) por menos de R$ 1. Eu ainda estou em fase de adaptacao, entao experimentei algumas poucas coisas... A noite levei meu amigo Ingles e a amiga paulistana para um jantar arabe com danca e nargila. A excitacao do John "with all the naked flesh" foi impagavel...
Ontem fomos ao fake market - um lugar onde se pode comprar a melhor das Fendi por US$ 10. ehhehe. Mas, etiquetas a parte, bom lugar para comprar boas roupas de inverno por precos muito bons. ALias, comprei um casaco. Aqui tudo se negocia - eis a expressao "negocio da China". Este foi o meu primeiro: comprei um casaco que custava 780 Yuan (US$ 78) por 100 Yuan. Baita negocio da China! Eles dao um preco, a gente oferece 1/4, eles negam e pedem a metade. Em geral saimos com 70% de desconto. Eh preciso ter isso em mente quando se eh estrangeiro.

Nao faz nem uma semana que cheguei e ja tenho meu restaurante predileto: In La Casbah (sounds familiar?!), um cafe pequeno, de sofas extremamente confortaveis e um legitimo capuccino - dificil de encontrar por aqui. Acabo de voltar de la. Estava tocando Led Zeppelin...
Sobre bebidas, eh preciso ter cuidado. Na primeira vez que fomos a uma casa de cha, na nossa ignorancia, pedimos uma caneca cada. Mal sabiamos que a agua seria reposta indefinidamente. E nao eh bom deixar nada sobrando na mesa por aqui... Ontem fomos, eu e mais quatro, a uma outra casa de cha. Desta vez sabiamos que a quantidade deveria ser menor. Pedimos 3 jarras por 18 Yuan. Depois ficamos sabendo que custava 18 Yuan por pessoa, nao por jarra. COm 100 Yuan - o que gastariamos somente em cha -, almocamos num delicioso restaurante tipicamente chines. Com direito a cha livre - e de graca!

Hoje sera a festa de Natal da escola e my first night out em Shanghai...
Por favor, mandem e-mail com as noticias dos vestibulares, testes de proficiencia, datas de embarque, cervejadas, trabalhos chatos e piadas infames...

Ainda sobre a comida, Marianinha: muita pimenta!!!!!!!!!!!!!!!

Sunday, December 17, 2006

Das primeiras aparencias

Das primeiras aparencias, pequenas experiencias numa viagem longa e cansativa. Duas coisas se confirmaram ao descer em Shanghai: nada do que eu imaginava saber era verdade, e nao ha leitura suficiente antes de pisar em um pais como esse. A comecar pelos habitos; primeiro contato chines: aeroporto de SP. Um estudante de medicina chinesa (!) logo se tornou amigo e acompanhante de viagem - de bagagem, de malas... Segundo e definitivo contato com a cultura chinesa: aeroporto em Johannesburg. Um grupo de rapazes de Hong Kong fumava e cuspia no cinzeiro, quase que concomitantemente.
De contatos, alguns poucos. Dois. Claro, ambos envolviam franceses - como eu havia previsto e torcido e sonhado... Um vinha de Hong Kong para Shanghai para um jantar - uma namorada certamente envolvente. A outra vem de Paris. Conseguimos nos comunicar, metade em frances, metade em chines, o resto eu fecho com Ingles. Me ajudou ainda pouco no almoco. Por sinal, ate agora, o contato com linguas estrangeiras serviu apenas para retomar meu sotaque britanico...
A melhor parte: ja com 20 horas entre aeroportos, cafes, avioes e filmes, a viagem para a CHina comecou a me doer nos ombros. Literalmente. Como premio por eu ter me tornado baba de uma senhora de Novo Hamburgo logo que cheguei em SP, ganhei uma massagem. Porque, na Africa, pelo menos, as pessoas entendem como este eh mais que um mal necessario. Eh uma pequena epifania (!!). Eu estava curiosa pela cama de massagem aquatica (sao como ondas do mar quebrando nas costas, como pude observar), mas optei por uma linda africana de sorriso largo. Me sentei numa cadeira de sete niveis de apoio (tentem imaginar isso...), enquanto as maos dela desfaziam os nos do meu pescoco. Depois de as rodas do aviao tocarem o solo africano (e eu sentir meu rosto se iluminar, num sorriso de "ha quanto tempo"...), esta foi a melhor coisa que me aconteceu. Fiquei tentada a pedi-la em casamento, mas sabia que isto seria imprudente: nos conheciamos ha 14 minutos e haviamos trocado apenas alguns sorrisos. De repente sinto que ela levanta a minha cabeca e passa a massagear minha fronte. Acho que ate la tinha nodulos - ou pelo menos eu os sentia doer. Mas, naquele momento, onde quer que ela apertasse, eu ficaria absolutamente agradecida. Quando consigo abrir finalmente os olhos, la estava ela: employee of the month. Poppy Marjorano. Daquele momento eu soube que ela fizera por merecer.

Da Africa apenas a imensa vontade de que fevereiro chegue logo. Fiquei horas sentada num cafe no aeroporto, em frente a uma loja de cds (posicao estrategicamente escolhida pour moi), escutando o tal jazz africano que mal posso esperar para conhecer de perto. Alguns nomes ja em vistas...
A chegada em Shanghai foi calma. Pelo menos no aeroporto... Passei rapidamente pela alfandega e la estava meu motorista. Um chines pequenino e aparentemente jovem. Acenei com a cabeca e ele rapidamente veio em minha direcao. Pegou minhas malas e, antes que eu pudesses treinar meu primeiro "Ni Hao!" em solo chines, saiu correndo pelo saguao. Eu, literalmente, tive de correr atras dele. Foi quase como um roubo consentido - pela velocidade da saida... Aqui eh tudo muito apressado.
Hoje mesmo tomei meu primeiro onibus. Lotado. Mais do que lotado. Incrivelmente lotado. As pessoas se jogavam na frente umas das outras para tentar entrar. Tive de ser arrastada para cima pela Jenny... Apesar da lotacao, ha alguma civilidade: ha televisoes (em todos os lugares!!!) dentro dos onibus, e elas estao intactas. Ha algum tempo - como me relatou o motorista.
AInda estou um pouco confusa com tudo isso. Absorvendo aos poucos...

Para quem estava curioso sobre a estada por aqui: minha familia eh bastante ocidental. Jenny, a mae, erea professora de ingles, amavel e muito divertida. Bobo (!!!), o pai, eh bastante timido - e acho que vou acabar me aproximando bastante dele... Syssy, a garotinha de 4 anos, eh absolutamente adoravel e tem me ensinado muitas coisas em mandarim...
Ah, e em Shanghai (excepcionalmente, pelo que me atestaram) a comida eh realmente doce. Nao, adocicada. Muito barata, pelo menos, Marianinha...

Tuesday, December 12, 2006

O andarilho (Nietszche/moi)

Quem alcançou em alguma medida a liberdade da razão, não pode se sentir mais que um andarilho sobre a Terra - e não um viajante que se dirige a uma meta final: pois esta não existe. Mas ele observará e terá olhos abertos para tudo quanto realmente sucede no mundo; por isso não pode atrelar o coração com muita firmeza a nada em particular; nele deve existir algo de errante, que tenha alegria na mudança e na passagem. Sem dúvida esse homem conhecerá noites ruins, em que estará cansado e encontrará fechado o portão da cidade que deveria lhe oferecer repouso; além disso, talvez o deserto, como no Oriente, chege até o portão, animais de rapina uivem ao longe e também perto, um vento forte se levante, bandidos lhe roubem o animal de carga. Sentirá então cair a noite terrível, como um segundo deserto sobre o deserto, e o seu coração se cansará de andar. Quando surgir então para ele o sol matinal, ardente como uma divindade da ira, quando para ele se abrir a cidade, verá, talvez, nos rostos que nela vivem, ainda mais deserto, sujeira, ilusão, insegurança do que no outro lado do portão - e o dia será quase pior do que a noite. Isso bem pode acontecer ao andarilho; mas depois virão, como recompensa, as venturosas manhãs de outras paragens e outros dias, quando já no alvorecer verá, na neblina dos montes, os bandos de musas passarem dançando ao seu lado, quando mais tarde, no equilíbrio de sua alma matutina, em quieto passeio entre as árvores, das copas e das folhagens lhe cairão somente coisas boas e claras, presentes daqueles espíritos livres que estão em casa na montanha, na floresta, na solidão, e que, como ele, em sua maneira ora feliz ora meditativa, são andarilhos e filósofos. Nascidos dos mistérios da alvorada, eles ponderam como é possível que o dia, entre o décimo e o décimo segundo toque do sino, tenha um semblante assim puro, assim tão luminoso, tão sereno-transfigurado: - eles buscam a filosofia da manhã.