Monday, February 25, 2008

De verdades substituíveis

Ah, sim. Foi mesmo um plano infalível preparar-se para a China em Londres. O eterno retorno. Será? Talvez alguém tenha que me explicar isso novamente, pois ninguém é pretensioso o bastante para escolher deliberadamente gastar o dinheiro alheio em libras e ainda achar que Londres é a mesma de oito anos atrás. Nem o viajante poderia ser. Ambos podem ter – ou terem sido – muitas outras coisas neste meio tempo. O que é um belo convite à falsa pluralidade.
Explica-se. Londres é uma grande metrópole e os aquarianos são diversos. Verdades, mais do que mitos, ambos carregam sobre si a “missão” da generalidade convicta de um quê especial. Foi-me dito que há um curioso fazendo um levantamento de todas as nacionalidades existentes na pequena grande capital da diversidade. Parece que lhe faltam apenas cinco representantes de algum dos cinco (e, em se falando de Londres, poder-se-ia arriscar um número maior de cantos possíveis de onde pessoas poderiam sair para visitar a terra da rainha e servir café em um bar qualquer) cantos do mundo. Todos esses [X-5] testam-se em suas habilidades de trocar frases em seus próprios dialetos na mais alta voz. E é preciso que sejam ouvidos; eis a verdade da fama plural.
Representantes de grande quorum desses falsos estranhos (já que todos tentam, no seu máximo, o nem tão autêntico sotaque britânico) são os chineses. Ou melhor, as chinesas flamboyant de Londres. Uma prévia bem-feita, salvo suas derivações. Dividir a porta do metrô com as chinesas londrinas é diferente de se dividir o metrô com as chinesas da China. Um caso é um cheesecake de amora, perfeito em suas colorações. Outro, é uma torta de bolacha Maria. Rostinho colado uma na outra mesmo – afinal, quem ainda pode contar quantos cantos do mundo convergem na população do Império do Meio?
Ou então, quem pode dizer que a mesma pessoa de oito anos atrás passaria uma tarde inteira assistindo ao musical de O Senhor dos Anéis? A diversidade faz parte do crescimento, oras. Mas saliento que, definitivamente, não é o meu programa favorito. Pode ser fácil de imaginar a experiência de assistir a um espetáculo desses ( a mais cara produção do momento) ao lado de diversos chinesinhos de aparelho. Isso, sim, me lembra oito anos atrás. A melhor parte do interminável caso foi tentar adivinhar como três livros de 12 zilhões de páginas seriam traduzidos em três atos de pura e inofensiva música brega. Nossas apostas eram: 1º ato – Eu sou um Hobbit; 2º ato – Eu tenho um anel; 3º ato - . Bom, não havia um terceiro ato na minha história com o John. E a pergunta que não queria calar na minha cabeça era: mas o Gargamel não era do mal? Mas isso foi uma outra história.
E daí que mais chineses foram descobertos passeando, no sábado à tarde, pelo Camden Market. Aí, sim, havia de tudo. E o melhor: é possível barganhar em Londres também. Brava herança oriental – ou adequação ao público-alvo. Brindei a diversidade com seis barganhas de novos velhos produtos.
Não sendo oriental, foi um ato de audácia levar um relógio por 1 libra e 30 pence. Aqui na China já é mais difícil ser oriental. É só chegar perto de uma central de informações que os atendentes abanam suas mãos em negativas (acabo de perceber que, ao escrever mão, no singular, sem acento, o computador automaticamente corrige para Mao – até por aqui, senhor?). É preciso iniciar uma conversa em mandarim para que eles se encorajem a responder. Claro, é preciso fazer isso em um volume mais forte, para distraí-los da abanação. Desta vez foi mais fácil. O eterno retorno (de novo?!) para a China. É certamente o caso de um país oriental mais bem preparado ou de uma Fernanda menos ignorante. Para ambos os casos contamos com a ajuda dos malaios, os representantes oficiais da ternura latina pros lados de cá.
A diferença é notável ao submeter-se ambas as experiências iniciais à comparação: os primeiros dias em Shanghai (sob a pressão de serem, aqueles, os primeiros dias fora da civilização grego-romana) e o primeiro dia em Pequim. Na capital, os chineses esperam que os demais chineses desembarquem do metrô antes que tentem embarcar. Isso pode facilmente parecer um reflexo de um plano civilizatório maior em curto prazo, pré-olímpico. Ou poderia mesmo ser o costume local – e, assim, a absolvição da má fama pela diferença. Poderia ser causado pelos jogos? Ou seria mesmo a razão para que as bolas rolassem por aqui? O que é causa é, necessariamente, também um reflexo? Ou um é resultado do outro? O reflexo é um resultado (e agora, olhando-me no espelho, penso que pode ser mesmo o resultado de um longo vôo ao lado de um possível viciado em heroína sob uma crise de abstinência à la Cristiane F.)? Essas perguntas não parecem indolentes. Aqui todos se parecem tanto uns com os outros que fica difícil apontar onde começa e onde termina a linha, o que entra e o que sai, quem vai e para onde vêm. E é por isso que escolhi as novelas chinesas como material de auxílio nos estudos da língua e na proliferação da investigação sobre a verdade cotidiana da diversidade de casos envolvendo a mulher traída, o marido que trabalha demais e o filho problemático.

De verdades substituíveis (cont)

Mas eu estava mesmo era no metrô. Momento de pressão para uma rápida reconfiguração de noções infantis. O mesmo cheiro de nylon e veludo cotelê embebidos em pigarro de tabaco barato. O mesmo de Shanghai, mesmo que pretensamente disfarçado de seda. Porque, em Shanghai, faz-se ouvidos moucos para todas essas bobagens. Londres é mesmo uma pletora. Pronto, substantifiquei o adjetivo. Londrinos flamboyant merecem, no melhor estilo anos 60.
Eu pensei em tudo isso no metrô. E daí vi meu primo. Bateu aquela fome, e nós paramos para que eu me abastecesse de 10 mini baozi por 1 real. No caminho de volta para o hotel, passei no mercadinho para abastecer o frigobar aqui do hotel. Acabei saindo com frutas e um biscoito que é difícil dizer se é doce ou salgado. Pensei que, após as recorrentes tentativas do John de desmistificação de que a cozinha britânica é a pior do mundo, devo ter reservas para a primeira semana de viver de frigobar e comida ensacada.
E é preciso dizer algo sobre o John. Ele é o menino-mago do outro musical aquele (blé!) e um excelente cozinheiro. Ou um grande enganador, porque o mistério que envolve a culinária britânica foi, para mim, resolvido depois do Yorkshire Pudding. Confesso que, depois de um dia todo visitando o Museu da História Natural, o Museu da Ciência e, depois, passando do criador para as criaturas, os museus V&A, a Galeria Nacional e a cadeira do Van Gogh, eu precisava mesmo de alguma comida de conforto. Juro que, pensando nisso, fiquei hoje tentada a experimentar a “booy massage” que tem aqui ao lado do meu hotel. Porém, isso só depois de lavar as minhas roupas íntimas na pia e comer uma bergamota. Porque é possível achar fruta em qualquer canto do mundo da China.
E, no papel assumido de uma caçadora feminina - e com um pouco mais de cabelos - de mitos, abro o “auto desafio” para sugestões de nossas maculadas cabecinhas ocidentais. Vou descobrir a verdade e toda a verdade sobre os mitos do antigo mundo. Palavra. Essa história, por exemplo, de que não há liberdade de expressão no Império do Meio é uma falácia, reflexo resultante (wow!) de nossas brigas intestinas em aceitar que nós, descendentes diretos dos greco-romanos estávamos ainda escalando árvores quando um chinês qualquer (ou teria sido um bando deles?) inventou a filosofia. Só na TV do meu hotel, por exemplo, há 50 canais. Sendo 20 deles versões diferentes da CCTV, a TV estatal. Então, viva a pluralidade das idéias.
Mas claro que tudo isso é ficção. Eu pensei nisso tudo no metrô hoje à tarde.

Monday, February 11, 2008

De hedonismo

"O lado poético, instaurador, sobredetermina o prosaico, regulador, ao mesmo tempo em que é sobredeterminado por ele, e é dessa nebulosa que emerge um sentimento de deriva e uma constelação civilizatória, que só um marxismo aberto, ou um metamarxismo, será capaz de entender.
[...] Se o homem real, corpóreo, vive na formação primitiva uma unidade indissolúvel entre a subjetividade e as objetivações do trabalho e da produção, o processo histórico se incumbiu de contrapô-las inexoravelmente, não apenas exibindo a nudez do trabalhador, mas submetendo-o a constrições, padecimentos e alienações, como se o homem tivesse perdido o respeito por si próprio. Auto-alienado, acabou por entregar a natureza e a si próprio a outrem. Mesmo agora, em tempos de globalizações neoliberais, essa constante se mantém, ainda que a potência revolucionária pareça aplacada e inerme. A qualquer momento, porém, essa força indômita e espectral pode perfeitamente voltar a questionar a solidez do império planetário, batendo de frente no 'estado de guerra de conquista' em que o poder do Estado e da indústria se converteram."