Pode parecer besteira, ou um apontamento de estúpida obviedade – e daí, por que então eu falo sobre isso?! -, mas é muito difícil se fazer entender na China. Não só pela clara distância lingüística, mas pela barreira semântica do pensamento. Uma idéia pode até ser concebida dentro de um significante comum, mas o inerente significado pode ser desastroso. Há esse medo constante dentro de mim, de escandalizar meus interlocutores beyond repair.
Nem sempre os cardápios têm fotos. Nem sempre a minha concepção de liberdade é a mesma. Quase nunca estamos falando sobre o mesmo assunto, essa é a idéia. E aí que, de uma mera confusão tonal para um julgamento terno, é apenas um caractere.
Para tentar convencer – a mim e aos outros – do que o que eu quero dizer é isso, e que talvez não seja tão ruim, consegui um “parceiro de línguas”. Com S no final, que é para não haver enganos. Um formando em Letras que gosta de Yeah Yeah Yeah e que já entendeu que, às vezes, eu troco os adjetivos (“ótimo” vira “gordo” com facilidade, principalmente para minha mente ansiosa). Guo Wei, como ele se chama, é um daqueles poucos rapazes chineses de maxilar largo, quadrado, dentes brancos, e que não vê a vida no país em mono. Estabeleceu um plano de aulas para mim que consiste em apreciar, não só conseguir utilizar, a diferença entre os adjetivos, tudo baseado em coisas do cotidiano. Como a revista de música que ele trouxe na mochila para o nosso primeiro almoço, por exemplo. E eu, para não passar por uma “estrangeira carnívora, aproveitadora de rapazes chineses com maxilar largo e quadrado”, levei junto ao almoço meu amigo sueco Mikael. Ledos enganos.
Estou dividindo a minha vida aqui entre estudos amplos dos significados - e seus antônimos – com muito trabalho e chá. É a vida normal de um estudante estrangeiro que, com sorte, consegue fazer algo além de escrever 50 caracteres por dia, 10 vezes cada. E é preciso dizer: não é como estudar em Londres. Sair da aula, ir a um café e tudo está resolvido. Acordo muitas vezes pensando o que estou fazendo aqui. Perdendo tempo, dinheiro e paciência com uma língua que nunca vou conseguir atingir a proficiência. Mas há outros dias que, numa despretensiosa tentativa de comer algo, eu me faço entender, e tudo fica bem.
Tenho tentando não me sentir frustrada, e não tentar comparar aprender inglês ou francês com mandarim. Não há nada semelhante (e é importante manter isso em mente quando se decide aprender a falar chinês). Talvez coreano, já que, aparentemente, eu uso a gramática dessa língua para falar mandarim, como me apontou a professora.
Talvez num plano futuro.....
Este final de semana já está planejado. Será uma inserção profunda no mandarim. Tenho um treinamento para as Olimpíadas no sábado de manhã, um passeio agendado à tarde, três bandas à noite e uma visita ao Palácio de Verão no domingo, onde eu nunca fui. E, para não me sentir tão distante da minha vida normal em Porto Alegre, comprei dois volumes (bilíngüe) sobre a história da filosofia chinesa. Confesso que leio somente as páginas ímpares; de vez em quando, contudo, olho que caracteres eles usam para descrever as diferenças entre a religião e a filosofia taoista. Antes de dormir.
E aqui tudo dura pouco - menos as contradições (perenes): o melhor restaurante, os protestos, a liberdade da internet. Tudo bloqueado mais uma vez.
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