Saturday, August 30, 2008

De agora

Acho que ainda é cedo para falar do resultado dos últimos 16 dias. Nem sei como acabou porque mal senti começar. Mas é fato de que mais pessoas normais estão nas ruas – leia-se gente fora de forma, barba por fazer e de cara fechada.
Amém. Esse pode ser um bom indicativo para que sim, tudo aquilo chegou ao fim. Minha forçosa conclusão é de que o tempo passa rápido quanto mais profissional e diplomático se é.
Disse que nem vi quando começou porque, tirando os cem mil uniformes a desfilar pelas ruas, todo o resto me pareceu normal – à exceção daqueles que gozam de boa forma física. Porém, concordo com meu amigo Mikael, que apontou que a expectativa toda foi, de certa forma, abafada por um estranho vazio.
E agora que ninguém liga lá muito para a segunda parte da história (não é preciso ser politicamente elegante em uma hora dessas), acho eu tudo ficará como estava menos 16 dias.
Enquanto isso, tenho experimentado dias de reviver o passado. Diversos passeios pelas áreas antigas da cidade, antes que elas rejuvenesçam. Diversas conversas com os idosos de Beijing. Diversas visitas de amigos mais antigos. Parece mais família depois de 16 dias, mais vida real.
E eu sigo achando que a pior parte de mudar de casa é se adaptar à máquina de lavar roupa suja.

Saturday, August 16, 2008

De aniversário

Sigo a linha de que é um dia feliz. É um dia feliz.

Wednesday, August 06, 2008

De caleidoscópios

Os antigos só admitiam três cores primárias: amarelo, vermelho e azul, e os pintores modernos não admitem nenhuma outra. De fato, essas três cores são as únicas insolúveis e irredutíveis. Todos sabem que a luz solar é composta por uma série de sete cores, que Sir Isaac Newton chamava de primitivas – violeta, anil, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho; mas é óbvio que a denominação “primitiva” não pode ser aplicada a três delas, que são compostas, pois o laranja é uma mistura de vermelho e amarelo; o verde, de amarelo e azul; e o violeta, de vermelho e azul. Quanto ao anil, não está entre as cores primitivas porque não passa de uma variedade do azul. Assim, de acordo com os antigos, é preciso reconhecer que existem apenas três cores verdadeiramente elementares na natureza, as quais, quando misturadas em dupla, produzem mais três compostas, ditas secundárias: laranja, verde e violeta. Esses rudimentos, aperfeiçoados pelos cientistas modernos, levaram à elaboração de certas leis que formam uma teoria esclarecedora das cores, teoria que Eugène Delacroix dominou em toda a sua amplitude após captá-la instintivamente. Se combinarmos duas cores primárias – amarelo e vermelho, por exemplo – para produzir uma secundária – laranja -, esta alcançará o máximo de brilho quando for colocada perto da terceira cor primária não utilizada na mistura. Do mesmo modo, se combinarmos vermelho e azul para produzir o violeta, essa cor secundária se intensificará na proximidade imediata do amarelo. Finalmente, se combinarmos amarelo e azul para produzir verde, este terá mais intensidade na vizinhança imediata do vermelho. Cada uma das três cores primárias é chamada corretamente de complementar com respeito à cor secundária correspondente. Assim, o azul é complementar do laranja; o amarelo, do violeta; e o vermelho, do verde. Ao contrário, cada cor combinada é complementar da cor primária não utilizada na mistura. A intensificação mútua recebe o nome de lei do contraste simultâneo.
Quando as cores complementares são produzidas com força igual, ou seja, com o mesmo grau de vivacidade e brilho, sua justaposição as intensifica a tal ponto que o olho humano mal consegue suportá-las.
E, devido a um fenômeno singular, as mesmas cores que se intensificam quando justapostas destroem uma à outra quando misturadas. Assim, misturarmos azul e laranja em quantidades iguais, o laranja ficará tão pouco laranja quanto o azul ficará azul; a mistura destrói as duas cores, e surge em seu lugar um cinza absolutamente sem graça.
Entretanto, se misturarmos as duas cores complementares em proporções desiguais, elas se destroem apenas parcialmente, gerando um tom esmaecido, que será uma variedade de cinza. Portanto, novos contrastes podem ser obtidos da justaposição de duas cores complementares, uma pura, a outra esmaecida. Como a luta é desigual, uma das duas cores vence, e a intensidade da cor predominante não impede a harmonia do par.
Ora, se misturarmos cores similares em estado puro, porém em graus diferentes de intensidade, obteremos outro efeito, no qual haverá contraste por causa da diferença de intensidade e, ao mesmo tempo, harmonia por causa da similaridade de tons. Finalmente, se duas cores similares forem colocadas lado a lado, uma em estado puro, a outra esmaecida – por exemplo, azul e azul-acinzentado -, daí resultará um novo tipo de contraste, diluído pela analogia. Existem, pois, vários meios, distintos mas igualmente infalíveis, de intensificar, preservar, enfraquecer ou neutralizar o efeito de uma cor, por sua reação a tons contíguos – por seu contato com aquilo que ela não é.
Para intensificar e harmonizar o efeito de suas cores, Delacroix se valia do mesmo tempo do contraste as complementares e da concordância das análogas; ou, em outras palavras, da repetição de uma cor vívida pelo mesmo tom esmaecido.
Van Gogh, 13-17 abril de 1885.

Feliz dia dos Namorados.

Monday, June 23, 2008

De 8 seg

São os oito segundos depois que começa a chover que é possível sentir o cheiro da grama molhada. Mas sempre me fascinaram os 8 segundos que antecipam a precipitação: o cheiro de que a chuva vem. São os oito segundos que separam o raio do trovão, os oito segundos que leva para ficar absoluta e totalmente encharcada nos temporais do verão de Pequim. As mudanças do tempo – tão abruptas como eu mesma.
A parte boa: não é o arco-íris. A parte boa é que, depois da chuva, respira-se com mais facilidade. Há uma mudança no ar, nas partículas, nos átomos, ou o que for. O céu fica mais perto do azul. A poeira cola no chão e não no meu cabelo.
Foi o meu segundo - por coincidência, em uma sexta-feira - banho de chuva. Menos entusiasmo e mais roupa do que tomar banho de chuva quando criança; ainda assim, um tanto quanto libertador. Uma idéia ultrapassada e poética de lavar a alma. Porém, falo de verdade. Há algo sobre a água da chuva.
No início, tive de dar risada. Desde que deixei a Cristóvão Colombo que não me via perdendo o sapato na correnteza que corta a rua. Também foram oito segundos que separaram meu sorriso de um ódio das coisas que, oito segundos antes de começar a chover, faziam-me feliz. Os Hutongs perto da minha casa, o corte de cabelo, a blusa, branca e sugestiva. Nada funciona bem quando se tem tanta chuva em tão pouco tempo.
Em um ataque de tédio e necessidade de elevar o pensamento – ou abaixar?! – para as coisas mais banais da existência terrena, fiz um teste de personalidade na internet. Queria saber que desastre natural eu sou. Sou a inundação. Aparentemente levo não mais do que oito segundos para explodir e causar destruição; avisados, contudo, com alguma antecedência.
E por que só pára de chover quando chego em casa? Por que tenho que ficar presa na estação de metrô mais infernal desta cidade, pouco antes de ir ao meu compromisso? Murphy. Murphy, no teste de personalidade, também é inundação. Senão, por que eu tiraria minha sombrinha da bolsa nas sextas-feiras? Justo nas sextas-feiras. E se eu parasse oito segundos antes de sair porta afora e revisasse o conteúdo da minha bagagem de mão? Eu perceberia que o item mais importante da sexta-feira me faltava? Nunca consigo parar antes de “storming out”. Já abandonei umas quatro vezes os bares aqui após discussão de bêbados. Porque, além de não ter mais nada a dizer, não poderia explodir em local público. E oito segundos separam um triste fim de uma corrida de taxi.
E foi aí que me dei conta que, toda a sexta-feira, chove. De uma hora para a outra. O dia vira noite, e as nuvens desabam sobre a cidade. Quarenta relâmpagos depois, seguidos de trovoadas assombrosas, a meia hora passa e o dia volta. Quando chegamos em casa. Comentei isso com alguém, já nem lembro quem. Esse alguém me disse que “ouviu dizer” (ting shuo, o verbo preferido e mais usado pelos chineses: não se afirma nada, não se ouve propriamente) que o governo tem provocado as chuvas, para aliviar o clima, melhorar a condição do ar e planejar quais os dias em que poderá haver chuva durante as Olimpíadas. Nem sei se isso é possível. Se alguém ouvir dizer alguma coisa sobre isso, talvez possa me explicar.
Sempre que chove, o tempo muda. Acho que, se essa história for verdade, é bom mesmo que seja no último dia da semana. Para limpar o peso da consciência e abrir o tempo para as empreitadas da semana seguinte.
Sim, o governo deveras controla tudo por aqui. Queria que eles me implodissem também, de vez em quando. Ou oito segundos antes de eu falar qualquer besteira como essa. Que mudasse minha semana como consegue mudar nossa vida de pedestre. Sim, controla tudo. Até porque, pouco antes de chover, o céu perde um pouco do marrom para a cor de vinho. Vermelho, como tem que ser.

Wednesday, May 14, 2008

De terremotos

Passou por aqui, mas nem vi. Quem mora no alto, sentiu. Por enquanto, permaneço viva e com uma única experiência em terremotos no meu currículo: a simulação de Kobe em Londres.
Pior que um terremoto na China é um bando de chineses preocupados que algo aconteça com as olimpíadas.
Até agora, nenhuma força da natureza me abalou. Ou isso pode ficar para debate.

Tuesday, May 06, 2008

De perenindades

Pode parecer besteira, ou um apontamento de estúpida obviedade – e daí, por que então eu falo sobre isso?! -, mas é muito difícil se fazer entender na China. Não só pela clara distância lingüística, mas pela barreira semântica do pensamento. Uma idéia pode até ser concebida dentro de um significante comum, mas o inerente significado pode ser desastroso. Há esse medo constante dentro de mim, de escandalizar meus interlocutores beyond repair.
Nem sempre os cardápios têm fotos. Nem sempre a minha concepção de liberdade é a mesma. Quase nunca estamos falando sobre o mesmo assunto, essa é a idéia. E aí que, de uma mera confusão tonal para um julgamento terno, é apenas um caractere.
Para tentar convencer – a mim e aos outros – do que o que eu quero dizer é isso, e que talvez não seja tão ruim, consegui um “parceiro de línguas”. Com S no final, que é para não haver enganos. Um formando em Letras que gosta de Yeah Yeah Yeah e que já entendeu que, às vezes, eu troco os adjetivos (“ótimo” vira “gordo” com facilidade, principalmente para minha mente ansiosa). Guo Wei, como ele se chama, é um daqueles poucos rapazes chineses de maxilar largo, quadrado, dentes brancos, e que não vê a vida no país em mono. Estabeleceu um plano de aulas para mim que consiste em apreciar, não só conseguir utilizar, a diferença entre os adjetivos, tudo baseado em coisas do cotidiano. Como a revista de música que ele trouxe na mochila para o nosso primeiro almoço, por exemplo. E eu, para não passar por uma “estrangeira carnívora, aproveitadora de rapazes chineses com maxilar largo e quadrado”, levei junto ao almoço meu amigo sueco Mikael. Ledos enganos.
Estou dividindo a minha vida aqui entre estudos amplos dos significados - e seus antônimos – com muito trabalho e chá. É a vida normal de um estudante estrangeiro que, com sorte, consegue fazer algo além de escrever 50 caracteres por dia, 10 vezes cada. E é preciso dizer: não é como estudar em Londres. Sair da aula, ir a um café e tudo está resolvido. Acordo muitas vezes pensando o que estou fazendo aqui. Perdendo tempo, dinheiro e paciência com uma língua que nunca vou conseguir atingir a proficiência. Mas há outros dias que, numa despretensiosa tentativa de comer algo, eu me faço entender, e tudo fica bem.
Tenho tentando não me sentir frustrada, e não tentar comparar aprender inglês ou francês com mandarim. Não há nada semelhante (e é importante manter isso em mente quando se decide aprender a falar chinês). Talvez coreano, já que, aparentemente, eu uso a gramática dessa língua para falar mandarim, como me apontou a professora.
Talvez num plano futuro.....
Este final de semana já está planejado. Será uma inserção profunda no mandarim. Tenho um treinamento para as Olimpíadas no sábado de manhã, um passeio agendado à tarde, três bandas à noite e uma visita ao Palácio de Verão no domingo, onde eu nunca fui. E, para não me sentir tão distante da minha vida normal em Porto Alegre, comprei dois volumes (bilíngüe) sobre a história da filosofia chinesa. Confesso que leio somente as páginas ímpares; de vez em quando, contudo, olho que caracteres eles usam para descrever as diferenças entre a religião e a filosofia taoista. Antes de dormir.
E aqui tudo dura pouco - menos as contradições (perenes): o melhor restaurante, os protestos, a liberdade da internet. Tudo bloqueado mais uma vez.

Friday, May 02, 2008

De extremismos

Temos presenciado diversas manifestações (aqui e por aí) relacionadas às Olimpíadas na China (contra e a favor).
Eu ando com um pouco de medo de ir ao Carrefour - único lugar onde conseguimos o kit de sobrevivência para brasileiros. A praça Tian'An Men também está esquisita para estrangeiros. E o festival Midi, o maior festival de música de Beijing (um woodstock sem sexo, sem drogas e com duvidoso rock'n'roll) foi cancelado. Há o medo constante que alguém desse uma à lá Bjork e gritasse qualquer coisa no microfone. Isso se deve, em especial, às 30 bandas estrangeiras confirmadas para os três dias de evento. Para as 50 chinesas... acho que já estamos todos bem avisados aqui.
Parece que o evento irá acontecer em outubro. depois das Olimpíadas. Para que nada estrague os jogos na China.
ok le!