Monday, June 23, 2008

De 8 seg

São os oito segundos depois que começa a chover que é possível sentir o cheiro da grama molhada. Mas sempre me fascinaram os 8 segundos que antecipam a precipitação: o cheiro de que a chuva vem. São os oito segundos que separam o raio do trovão, os oito segundos que leva para ficar absoluta e totalmente encharcada nos temporais do verão de Pequim. As mudanças do tempo – tão abruptas como eu mesma.
A parte boa: não é o arco-íris. A parte boa é que, depois da chuva, respira-se com mais facilidade. Há uma mudança no ar, nas partículas, nos átomos, ou o que for. O céu fica mais perto do azul. A poeira cola no chão e não no meu cabelo.
Foi o meu segundo - por coincidência, em uma sexta-feira - banho de chuva. Menos entusiasmo e mais roupa do que tomar banho de chuva quando criança; ainda assim, um tanto quanto libertador. Uma idéia ultrapassada e poética de lavar a alma. Porém, falo de verdade. Há algo sobre a água da chuva.
No início, tive de dar risada. Desde que deixei a Cristóvão Colombo que não me via perdendo o sapato na correnteza que corta a rua. Também foram oito segundos que separaram meu sorriso de um ódio das coisas que, oito segundos antes de começar a chover, faziam-me feliz. Os Hutongs perto da minha casa, o corte de cabelo, a blusa, branca e sugestiva. Nada funciona bem quando se tem tanta chuva em tão pouco tempo.
Em um ataque de tédio e necessidade de elevar o pensamento – ou abaixar?! – para as coisas mais banais da existência terrena, fiz um teste de personalidade na internet. Queria saber que desastre natural eu sou. Sou a inundação. Aparentemente levo não mais do que oito segundos para explodir e causar destruição; avisados, contudo, com alguma antecedência.
E por que só pára de chover quando chego em casa? Por que tenho que ficar presa na estação de metrô mais infernal desta cidade, pouco antes de ir ao meu compromisso? Murphy. Murphy, no teste de personalidade, também é inundação. Senão, por que eu tiraria minha sombrinha da bolsa nas sextas-feiras? Justo nas sextas-feiras. E se eu parasse oito segundos antes de sair porta afora e revisasse o conteúdo da minha bagagem de mão? Eu perceberia que o item mais importante da sexta-feira me faltava? Nunca consigo parar antes de “storming out”. Já abandonei umas quatro vezes os bares aqui após discussão de bêbados. Porque, além de não ter mais nada a dizer, não poderia explodir em local público. E oito segundos separam um triste fim de uma corrida de taxi.
E foi aí que me dei conta que, toda a sexta-feira, chove. De uma hora para a outra. O dia vira noite, e as nuvens desabam sobre a cidade. Quarenta relâmpagos depois, seguidos de trovoadas assombrosas, a meia hora passa e o dia volta. Quando chegamos em casa. Comentei isso com alguém, já nem lembro quem. Esse alguém me disse que “ouviu dizer” (ting shuo, o verbo preferido e mais usado pelos chineses: não se afirma nada, não se ouve propriamente) que o governo tem provocado as chuvas, para aliviar o clima, melhorar a condição do ar e planejar quais os dias em que poderá haver chuva durante as Olimpíadas. Nem sei se isso é possível. Se alguém ouvir dizer alguma coisa sobre isso, talvez possa me explicar.
Sempre que chove, o tempo muda. Acho que, se essa história for verdade, é bom mesmo que seja no último dia da semana. Para limpar o peso da consciência e abrir o tempo para as empreitadas da semana seguinte.
Sim, o governo deveras controla tudo por aqui. Queria que eles me implodissem também, de vez em quando. Ou oito segundos antes de eu falar qualquer besteira como essa. Que mudasse minha semana como consegue mudar nossa vida de pedestre. Sim, controla tudo. Até porque, pouco antes de chover, o céu perde um pouco do marrom para a cor de vinho. Vermelho, como tem que ser.

3 comments:

Pocket Ploc & Flipping Forrest said...

Querida Sis: qdo leio teus textos sinto-me no café da Bordini, acompanhada pela limonada deliciosa (com gengibre) e pelas toalhas sobrepostas e coloridas da mesa... ler tuas frases é como estar em uma daquelas conversas filosóficas e diretas... uam das tuas deliciosas características...
A saudade da vida boa e dos almoços no vegetariano atormenta. Hj eu me arrependo muito de não ter passado mais tempo contigo e com tds outros membros da nossa família... se tu estás te sentindo isolada pela China e pela semântica, eu me sinto isolada pela minha falta de inteligência emocional. Quisera etr sido mais leve e divertida.
Escreve mais, para eu poder tomar outro café virtual contigo... nem cartas podemos nos enviar... vamos nos esconder nas memórias daqueles dias de maluquice e de cobertor na sala... de friends e de pizza gigante... de contas não-paga e de dores secretas... te espero na Bordini, com o coração aberto... como sempre deveria ter sido. te amo!

Unknown said...

Oi Fer! Só queria que soubesses que estou acompanhando tua estada aí e te conhecendo um pouco melhor. A Isabelle não vê a hora de conhecer a titia Fer. Beijão

.... said...

sua tua storming fã-aquariana declarada.