Monday, March 31, 2008

De epitáfios

Agora é que a China pega fogo - trocadiho in-fa-me.
Foi anunciado ontem, como plano de uma Olimpíada sem tabaco, que não será mais permitido fumar em locais públicos.
Os fumantes regulares na China ultrapassam 350 milhões. Acho que são bem, bem mais.
Atualmente, os locais públicos que banem o fumo são cinemas, livrarias e teatro.
Notou que não citei hospital?
Cigarro tem ainda a ver com cultura e arte?

Da gelere

Ser jovem na China não é lá tarefa fácil. Estava certo Bob Dylan quando disse que queria que as pessoas encarregadas da vida política e social tivessem mais cabelo na cabeça. Aqui, têm por mero acidente genético. São todos velhos, usam óculos e acreditam que o mundo pode estar no século 21, ou 22, ou 25 – contanto que “depois da galinha venha a ovelha, depois da ovelha o touro e, depois, o comunismo”.
Mas, ainda sobre os jovens: metem-se em vielas escuras para serem jovens. Respeitam os mais velhos (enquanto não estejamos falando de transporte público), acham o MSN a maior das bênçãos tecnológicas – ainda mais se for o “cucu”; a versão nacionalista - e acomodam-se em pensar que o bem social está nas mãos dos carecas. Não pretendem mudar o mundo, não se interessam pela política nacional e, invariavelmente, num acesso de lucidez, luz ou sobriedade, reconhecem que o mundo não é aquilo que vêem no caminho entre o restaurante e seus dormitórios. Quer saber o que pensam sobre os conflitos? “É uma droga não ter Youtube!”. E a conversa pára por aí. Ouvidos moucos, bocas caladas. Segurança nacional é a palavra de ordem.
A influência estrangeira, sim, é inegável, e atende pelo nome de “indie”. Quisera eu fosse Bossa Nova o sobrenome. Não o é. Talvez seja distorção. Quanto mais gritos houver, melhor. Se um começar, os outros seguem. Se um cessar, perdeu a graça.
Confirmo minhas desconfianças ao dividir com eles o balcão de um bar qualquer onde haja música ao vivo. Agora entramos no assunto. Esse grupo de jovens que não liga lá muito para quão redondo é o mundo, assume a nova fase de jovens músicos – o grupo dos emergentes. Profundamente influenciados por Radiohead e as mais diversas derivações, arriscam-se em chamar-se “indie alternativo”. Denominação local. Cortam os cabelos à japonesa, vestem listras e gritam ao microfone. É tudo uma questão de som e imagem.
Na parede do banheiro, a prova: “Eu amo minha mãe, amo meu país e amo Carsick Cars”. Ah, eu também! Principalmente no refrão: “Hey, Johnny, He doesn’t want to/ He wants to be a rock’n’roll hero”. Simples assim. Os insurgentes. Aparecem quando a luz diminui e todos estão alcoolizados demais para saber a diferença entre a vida e o mundo exterior.
Acredita: a vida é boa, e Carsick Cars é muito bom. Mesmo. Refletem a parcela da juventude que não quer mais ouvir ao country folk, tradicional. Revoltosos do god save the queen. Gostam do som, e as palavras não interessam. É sobre a marca tradicional do cigarro plantado, colhido e embalado por gente pobre, sem dente, sob a vigia dos carecas – lá no fundo, percebe? O primeiro riff inicia e todos tocam cigarros – apagados, por sorte – na banda. Uma chuva de compreensão.
Ainda sob o efeito da influência ocidental, fecham uma roda punk para a banda francesa Vialka. Um som White Stripes com o yodelling austríaco. De francês, pouco. Foi estranho o suficiente para eu gostar.
Há, ainda, os iluminados. Aqueles que vêem por frestas e acham que cuspir no chão é normal, conquanto seja gente da mesma gente. Interessam-se por Michel Gondry e esperam, ansiosos, o último lançamento no mercado negro. São curiosos pelos olhos ocidentais – e o que mais? -, e chegam a pedir que um ocidental beije suas namoradas. Encontram-se esses raramente nos restaurantes.
Todos esses procuram a libertação num copo de cerveja local e luz escassa. Fazem os temas regularmente e “não entendem” (ou fingem, e então é somente uma suspeita)o que quer dizer todas as outras coisas. Menos importantes, lógico.

Tuesday, March 25, 2008

Querida,
Passei a semana toda pensando que segunda-feira ia chegar, e eu não estaria aí. Isso abalou meu humor, minha concentração, mas fiquei esperando. Esperando por segunda-feira. Sábado, quando te tirei da cama, percebi que era ok, que eu podia chorar. Que eu podia já sentir saudade. Ainda me é estranho; parecia que eu precisava da semana de adaptação.
Primeiro eram dias. Depois, semanas. Chegou o ano, e eu senti sob a pele um arrepio. Não fiz o que te falei que faria. Não passei o dia no templo, olhando para o céu e procurando compreensão. Também não fui à aula. Fiquei perambulando pela cidade, enchendo-me de ar poluído e chá. Pensei que, se não podia estar aí, não importava o que eu fizesse aqui. Só importava o que estava sentindo. E tudo que vivemos nesse tempo.
Sentei em frente ao computador mil vezes. Queria te mandar um e-mail, escrever um texto bonito. Tentei também algo lúcido, a crise do país, aquelas palavras que começam com T sobre as quais eu não deveria falar, mas todo mundo queria saber. Porém, só me vinha à cabeça aquela palavra com S, que nós brasileiros nos orgulhamos em dizer, aos quatro ventos, que é nossa e ninguém tira. Não tentei explicar aqui o que significa e o que exatamente esse sentimento me causava. Não há explicação.
Queria estar aí. Segurar a tua mão enquanto nos escorrem as lágrimas. Depois, enxugar o nariz com um riso amarelado pelo tempo. Queria poder te proteger daqueles que passam a mão em teus cabelos e dizem: “É a vida, e tudo vai ficar bem”. Tudo não pode ficar bem, e a vida é o que é. É infame. É poluída. É perambular por aí.
Depois do aniversário, quando vi aquele homem bonito, em seu terno azul, agachado arrumando flores na cabeceira do túmulo do filho, vi que áqüea palavra com S era muito mais do que mera questão lingüística. Era uma imagem que ficaria para sempre gravada em minha cabeça. Assim como tantas outras.
Acabada segunda-feira, estamos bem de novo?! Passam horas, dias, depois semanas. E nada mudou. Ou mudou, e a gente nem soube dizer. Espero que tenha mudado. Não só na ausência, mas na “presença da ausência”, como disse o Ric. Não que sejamos levados a encarar os absurdos da vida como aprendizados – essa conversa me enche e, ao mesmo tempo, conforta de forma muito irritante -, mas que sejamos mais alguma coisa.
Agora, longe é o lugar mais solitário do mundo. E se releva isso também. É como tu disseste: não podemos estar em dois lugares ao mesmo tempo. Queria que ter te conhecido na noite do show do Fito Paez mesmo.
No mais, espero...
Muita S. Muita mesmo.
Love you!
Morena

Friday, March 21, 2008

De ah, sim

P.S.: E é Beijing aqui porque também não escrevo Brasil com z.
Explicado.

De caridade tem cura

Só para lembrar que todo dia 23 é dia de ceder o assento no transporte público de Beijing aos mais velhos, às grávidas e aos deficientes.
Tem hora para tudo. Para caridade também, uai.

Monday, March 17, 2008

De cidades do futuro II

Época de olimpíadas: “um mundo, um sonho”. Sem verbo. E pode-se dormir com esse barulho, essa fumaça, essa gente que caminha sem parar, e não pára quando os outros querem caminhar?! Nada menos lógico do que a velha cidade do futuro.
O arranha-céu espelhado ficou pronto em treze dias. As obras em frente a tua casa? Talvez um terceiro trimestre. Enquanto isso, pratica o salto à distância e visita a exposição do Michael Jordan - e estilhaça a musculatura. Ou paga R$ 3 para o velhinho na esquina pedalar os 5 metros que tu não queres caminhar. Ou melhor: encontra alguém que aceite te carregar numa liteira – um must! Paga outros R$ 2 para comer a comida que sobrou de ontem lavada em molho de pimenta velha e adocicada – não é assim que se faz no mundo todo?! Talvez, colocados mais uns R$ 2, pode-se levar, de brinde (é tudo de grátis!), uma boa dose de dor no estômago. E se tiveres muita, muita sorte, uma doença para a qual já exista a cura.
Sofre-se de inadimplência, nada demais. Pagar R$ 50 para ter tua pressão medida e um carinhoso pedido médico: “Esse foi o resultado. Escreve aí”. Eu? Mas quem disse que posso escrever resultados de exames clínicos? Como se soletra?
Ou ainda: olha com desconfiança e crítica as ocidentais fumarem (esse povo é do demo e de nada sabe!) e, depois, seminua, dança conforme a música sob a luz neon, cigarro numa mão, whisky na outra (e uma terceira mão sabe onde?!). O olhar de desaprovação, constante, intermitente, perde-se no palco que flutua ou é só a fumaça da maconha que desvia o pensamento das valas?
Cuidado, contudo: a ironia e a sátira foram proibidas por lei na primavera de 42. E dizem por aí que quem desafiou o preceito acabou morrendo de língua roxa e dedo sujo. “A disciplina de uma outra língua revela a verdade com maior clareza”. Dito popular.
Não se pode falar em plural majestático. Eu sou, tu és, mas nós? Nós somos poucos. Talvez um. Quiçá dois. Pouco mais do que isso, não tem. Os estrangeiros – e, vê bem, eles – são como plantações de sorgo ao redor das papoulas; um verniz que fica bem aos olhos menos atentos. É uma vida de títere essa do refúgio (da teoria, não o substantivo). Politicamente não-confiáveis são chamados retrógrados e todo cuspe no chão vem de um asiático (e nunca o contrário).

Saturday, March 15, 2008

De cidades do futuro

Funciona mais ou menos assim, o mundo das desculpas. Eu não tinha internet, não tinha inspiração, meu teclado se reconfigurou sozinho e eu perdi acentos e ponto de interrogação (?!), eu tinha muitos temas para fazer, tinha que decorar 40 novos ideogramas por dia (para uma única aula – isso seria como aprender uma língua do leste-europeu a cada três dias), e me faltava muita inspiração. Isso tudo somado aos meus problemas de personalidade: a) nada que eu possa dizer pode ser interessante para alguém; b) o fato de o blogspot.com ser proibido aqui me incomodava bastante.
Mas eis que meu novo amigo francês – um rapazito de 19 anos com uma das melhores cabeças que eu encontrei por aqui – apresentou-me um site que possibilita burlar as questões políticas e, assim, eu acessei o blog. Dos meus amigos. Acordei cedo hoje e li a Luli. Preciso dizer que essa menina é meu orgulho. Li a Fêcris e vi que o último post era um beijo para mim. Recebi alguns e-mails de amigos (da Luli, inclusive), perguntando onde eu andava e se ainda lembrava deles. Lembro tanto que senti uma necessidade de esquecer por um instante meu próprio umbigo (e, neste momento, o umbigo dos meus professores da universidade dos 12 zilhões de caracteres/hora) para dizer que estou bem.
Tem sido bastante diferente morar por mais do que um mês em um lugar. Foi preciso assumir a vida aqui, alugar apartamento, comprar panelas. Dei sorte de encontrar uma chinesa, estudante de mídia, para dividir as angústias e a assinatura do contrato. Ela agora é namorada do rapazito e, então, passamos boa parte do tempo sentados vendo filmes, escutando música e discutindo por que o futuro da música pertence ao Tom Yorke. Bela companhia.
É sempre um olhando sobre o ombro do outro e Mao olhando por todos. Muitas vezes isso me enche de tédio. Os olhos curiosos no metrô me trazem uma idéia de este lugar ser, ainda, algo bastante primitivo. Nada de bons modos, nada de modos, por assim dizer. Assim, o negócio é levar a vida mais ou menos como um chinês faz: empurrar todo mundo para dentro dos ônibus e fazer das refeições a maior ocasião do dia. Eventualmente me levo a algum bar obscuro onde possa ouvir alguma música e fingir que eu não sinto fome. É como o Caio disse: “Aos vinte anos se sabe pouco além da própria fome”.
Além de estudar a tarde toda, então, é isso que tenho feito. Vi o Infected Mushroom tocar e a banda chinesa Ziyo que, por sinal, merece uma atenção no myspace.com/ziyo. Uma das melhores performances que já vi e das melhores coisas que escutei nos últimos tempos. Sábado que vem quero ver outra banda, e assim vai.
E, para conformar a Luli pela perda (com d!) da carteira e da proteção oriental que eu tinha dado para ela, vou procurar uma nova hoje – e bem mais bonita, que é para combinar com a dona. Além disso, queria dizer à viajante solitária: “And only because He had no place He could stay in without getting tired of it and because there was nowhere to go but everywhere, keep rolling under the stars, generally the Western stars (…) Beyond the glittering street was darkness, and beyond the darkness the West. I had to go ”. Jack Kerouac, On the Road.