Monday, March 17, 2008

De cidades do futuro II

Época de olimpíadas: “um mundo, um sonho”. Sem verbo. E pode-se dormir com esse barulho, essa fumaça, essa gente que caminha sem parar, e não pára quando os outros querem caminhar?! Nada menos lógico do que a velha cidade do futuro.
O arranha-céu espelhado ficou pronto em treze dias. As obras em frente a tua casa? Talvez um terceiro trimestre. Enquanto isso, pratica o salto à distância e visita a exposição do Michael Jordan - e estilhaça a musculatura. Ou paga R$ 3 para o velhinho na esquina pedalar os 5 metros que tu não queres caminhar. Ou melhor: encontra alguém que aceite te carregar numa liteira – um must! Paga outros R$ 2 para comer a comida que sobrou de ontem lavada em molho de pimenta velha e adocicada – não é assim que se faz no mundo todo?! Talvez, colocados mais uns R$ 2, pode-se levar, de brinde (é tudo de grátis!), uma boa dose de dor no estômago. E se tiveres muita, muita sorte, uma doença para a qual já exista a cura.
Sofre-se de inadimplência, nada demais. Pagar R$ 50 para ter tua pressão medida e um carinhoso pedido médico: “Esse foi o resultado. Escreve aí”. Eu? Mas quem disse que posso escrever resultados de exames clínicos? Como se soletra?
Ou ainda: olha com desconfiança e crítica as ocidentais fumarem (esse povo é do demo e de nada sabe!) e, depois, seminua, dança conforme a música sob a luz neon, cigarro numa mão, whisky na outra (e uma terceira mão sabe onde?!). O olhar de desaprovação, constante, intermitente, perde-se no palco que flutua ou é só a fumaça da maconha que desvia o pensamento das valas?
Cuidado, contudo: a ironia e a sátira foram proibidas por lei na primavera de 42. E dizem por aí que quem desafiou o preceito acabou morrendo de língua roxa e dedo sujo. “A disciplina de uma outra língua revela a verdade com maior clareza”. Dito popular.
Não se pode falar em plural majestático. Eu sou, tu és, mas nós? Nós somos poucos. Talvez um. Quiçá dois. Pouco mais do que isso, não tem. Os estrangeiros – e, vê bem, eles – são como plantações de sorgo ao redor das papoulas; um verniz que fica bem aos olhos menos atentos. É uma vida de títere essa do refúgio (da teoria, não o substantivo). Politicamente não-confiáveis são chamados retrógrados e todo cuspe no chão vem de um asiático (e nunca o contrário).

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