Tuesday, April 29, 2008

De éteres

Enquanto a vida real não começa, encho-me de bicos. Como criança.
Uma semana em Hong Kong foi o suficiente para encher meu corpo de ar tranqüilo, mais lucidez e luxo ultrapassado. Hong Kong ainda é a cidade mais cara da China (apesar de ter sido um vôo internacional que me levou até lá).
Como na primeira vez, desço em uma Hong Kong úmida e chuvosa. Por sorte cheguei lá. Há dez minutos d distância entre céu e o aeroporto internacional de Hong Kong, o pilto nos informa, em bom mandarim, que teremos de ir para uma cidade próxima devido a um tufão. Pensei que não fôssemos sobreviver a intensa turbulência, mas aterrissamos, por fim, em Guanzhou – ou Cantão – para três longas horas de espera sem sair da aeronave. Tento perguntar se posso sair, esticar as pernas. O vôo tinha sido uma droga, e eu não podia parar de pensar em: por que os sacos de lixo estão todos na frente da porta de saída de emergência?; Por que ninguém está sentado enquanto o avião sacode tanto? Por que três senhores, duas mulheres e uma criança levantaram assim que o sinal de apertar os sintos foi ligado?
A aeromoça (aqui elas ainda são isso), em um péssimo inglês, diz para eu esperar por novas instruções. Peço-as em mandarim, e ela me explica com um sorriso o que iria acontecer.
Depois de três horas de avião e 20 minutos de vôo, chego a Hong Kong. O ar molhado de chuva é um alivio para meus pulmões, já cansados de Beijing.
Foi uma semana cheia de trabalho, encontros com brasileiros, overpriced beer e negociações em mandarim, para o deleite de todos os brasileiros presentes. Eu falava e meus interlocutores eram obrigados a concordar. Foi uma vitória pessoal.
Para aliviar o dia de feira, vamos a rua dos bares – a mesma em que estive há um ano atrás. A pequena Londres de pubs, amendoim e cerveja internacional. Nem é preciso dizer que não precisou dois copos para me fazer levantar da mesa e rodopiar pelo bar, quase vazio. Uma chinesa me acompanha e, logo, os demais brasileiros entram na dança. Em 20 minutos enchemos o bar. Foram horas e horas de hip hop esquizofrênico (o DJ não podia tocar rock – deve ter ouvido as histórias do demo).
Voltei para Pequim de ressaca e com pouca voz, sentindo falta da gentileza da antiga colônia e da civilização que espera, na fila, mas o resto da vida.
Quase não consigo chegar em casa. Destruíram, além do meu restaurante preferido, a lan house que me indicava a rua que moro. Não há mais nada daquele lado da rua. Só poeira, poeira e poeira.
Na mesma noite vou com alguns amigos a Hou Hai, uma área antiga que circunda um belo lago, cheia de bares e restaurantes. Vamos ao Obiwan, bar que oferece, de 15 em 15 dias, uma noite de indie rock, “para aqueles que pensam e gostam de boa música”, como diz o cartaz no banheiro. Não havia ninguém lá. O DJ estava doente. Resolvemos sentar, de qualquer forma, para um update da semana que perdi – inclusive as provas. Paciência. Queria mesmo era estar em Hong Kong.
A semana recomeça cheia de conflitos e boas-novas. Vou começar a dar aula de português para os chineses e, quem sabe, me readaptar ao idioma, que já ficou distante o suficiente para dar saudade.
Hoje é o primeiro dia.
Além disso, estou bastante orgulhosa de presenciar este momento na China. A internet foi "liberada". Até mesmo a BBC e o Wikipedia. Ainda assim, não consigo carregar páginas com 1989......

Thursday, April 17, 2008

De cinismo

Se esse não for um dos pecados, deveria entrar na lista. Na top list. E, na preocupação de incorrer em falsas pretensões, péssimos julgamentos e limitação de linguagem, aposto em Huxley, que sabia das coisas como poucos.

"• Ser cínico é uma qualidade; isto é, quando se sabe onde parar. Quase todas as coisas que nos ensinaram a respeitar e reverenciar não merecem mais do que cinismo. Considere o seu próprio caso. Ensinaram-lhe a cultuar idéias como patriotismo, a justiça social, a ciência, o amor romântico. Disseram-lhe que virtudes tais como a lealdade, a temperança, a coragem, a prudência são boas em si mesmas, em quaisquer circunstâncias. Garantiram-lhe que o sacrifício é sempre esplêndido e os belos sentimentos invariavelmente bons. Tudo isso é bobagem, tudo uma chusma de mentiras que os homens inventaram a fim de ter pretexto para continuar a negar Deus e a chafurdar no próprio egostimo. Quem não foi firme e inabalavelmente cínico em relação ao palanfrório solene dos bispos, banqueiros, professores, políticos e todos os demais, está perdido. Completamente. Condenado à prisão perpétua no cárcere do “ego”, condenado a ser uma personalidade no mundo das personalidades, mundo esse que é o nosso mundo – da cobiça, do medo e do ódio, da guerra e do capitalismo, da ditadura e da escravidão. Sim, é preciso ser cínico, Pete. E cínico especialmente para com as ações e os sentimentos que nos ensinaram a supor bons. Quase todos não o são. Não passam de males que recomendam quem os pratica, mas, infelizmente, esses males são tão maus quanto os demais. Em última análise, os escribas e os fariseus não são melhores que os publicanos e pecadores. De fato, são, às vezes, muito piores. Por várias razões. Sendo conceituados pelos outros, julgam bem de si mesmos; e nada robustece tanto o egotismo como fazer alguém bom conceito de si. Depois, publicanos e pecadores são apenas animais humanos, sem energia e autodomínio bastante para fazerem muito mal. Ao passo que os escribas e os fariseus têm todas as virtudes, exceto duas das únicas que contam, e bastante inteligência para compreender tudo, menos a natureza real do mundo. Publicanos e pecadores, quando muito, fornicam e excedem-se no comer e no beber. Os homens que fazem guerras, os que escravizam os semelhantes, os que matam, torturam e mentem em nome de suas causas sagradas – em suma, os homens realmente maus – nunca são os publicanos ou os pecadores. Não; os virtuosos, os respeitáveis, os donos dos mais belos sentimentos e dos melhores cérebros, dos mais nobres ideais. (diferenças entre oriente e ocidente são ainda como um pensamento polarizado; os pares. Não o mero preto e branco, ou o zero e o um. Da complexidade e da incerteza. E isso não significa que um seja melhor ou pior; tampouco sugere que um seja à esquerda, o outro à direita. Sugerem apenas que são ambientes específicos, divididos e separados por alguns milhares de outros pares que, somados, resultam na matemática mais atroz que é a vida sobre a terra – a realidade virtual. )"

Sunday, April 13, 2008

De mudanças na China

Tenho um pouco de medo de, como disse meu primo, perder o olhar estrangeiro sobre Beijing. Começar a achar tudo normal, tudo “coisa da China”. Algumas coisas, no entanto, não passam tão facilmente despercebidas.
O meu prédio fica em frente à Universidade, no lado norte de uma das mais importantes ruas do bairro. No lado que será destruído para o alargamento da avenida. Meu prédio está a salvo, por ficar mais para dentro, mas os restaurantes (inclusive o meu preferido), as lojas e escritórios começaram a ser destruídos neste domingo – um dia lindo de sol, primaveril, que me levou a fazer um pic-nic no parque. Na volta do passeio, já não havia mais restaurante favorito.
Hoje mesmo vi a garçonete do restaurante na rua, abraçada ao namorado. Na última vez que fomos comer lá, na sexta, tivemos uma briga com ela, eu e meu colega dos Estados Unidos. Ela sempre foi tão antipática, e sempre respondeu com um sorriso amarelo aos nossos pedidos. Hoje fiquei chocada quando saí da escola e vi que não havia mais opções. Nem para ela.
O alargamento foi aferido à necessidade de melhoramento da via. Diariamente, mais de 1,2 mil novos motoristas surgem no país. Mais motoristas, mais carros. É preciso ter maiores ruas, é. O governo ainda implementou uma nova instância de controle de tráfego, que, agora, vai subsidiar educação aos motoristas, para que eles conheçam as regulamentações que regem o trânsito, bem como para que melhorem a performance nas ruas.
Enquanto preocupamo-nos com não morrer atropelados, eles destruíram as calçadas. O dono do Lele Bar, o único barzinho próximo da universidade, disse que eles vão poder reabrir os negócios em 20 de maio, em uma região próxima. A custo baixo: o aluguel de 2 mil Yuan (500 reais) passará para 8 mil Yuan (2 mil reais). Não ganharam novos espaços. Quem não puder arcar com o prejuízo que compre um carro.
O nível de pobreza na China é medido mediante uma renda per capita anual de 1,3 mil Yuan ou inferior (4oo reais anuais ou menos).
A boa notícia para os trabalhadores é que eles poderão manter as portas abertas aos fumantes. A tentativa do governo de proibir o tabaco em todas as áreas públicas foi protestada por donos de estabelecimentos comerciais, e restringir-se-á apenas aos escritórios oficiais, escolas e complexos esportivos. Ainda não falaram nada sobre hospitais. Mais de 70% da população chinesa é fumante ativa, alegaram os comerciantes.
Tentativa de conter outro tipo de fumo. Semana passada mais de 30 estrangeiros foram presos por negociar substâncias ilícitas. Não sei se foi o caso, mas um rapaz negro foi preso no meu prédio na quinta, enquanto eu estendia minhas roupas no varal. Nada de Tropa de Elite. Coisa supercivilizada. E discreta.
As estações de metrô estão mudando. Fui trocar de linha me perdi. Acabei saindo da área de trânsito. Como um incentivo para que as pessoas (ainda mais pessoas) peguem o transporte público e deixem os poluidores veículos em casa (ou estacionado nas agora mais largas avenidas...), o bilhete custa 2 Yuan (0,50 centavos) para qualquer distância percorrida, independentemente das trocas de linhas necessárias. Eu, que saí da área de troca de linha, deveria ter pago um novo bilhete, mas consegui convencer o segurança, em bom chinês, que havia me perdido. Saí do curral pela porta errada. Sim, são currais agora. É o único jeito de evitar que os chineses não se matem pisoteados na corrida por um assento.
Ontem o Hu mudou de idéia: decidiu que Taiwan e China são irmãs e complementares, resolveu colocar 250 bi Yuan em investimentos na ilha e anunciou que o Tibet é um caso de relações internaiconais. Nunca houve mal em mudar de idéia, né? É só se adaptar.

De Cuan Di XIa (5 de abril)

A parte boa de se morar em uma cidade como Pequim é a possibilidade de escapar dela – com facilidade. Em duas ou três horas, estamos em um mundo particular; mais chinês, menos poluído. A isso se afere o ditado aqui: “Se não sentires a diferença ao respirar quando fores para os vilarejos, tu já estás em Pequim há muito tempo .”
Em uma viagem bem-organizada pelo meu primo e nossos compatriotas, alugamos uma van e rumamos ao oeste da cidade. Perto da fronteira com a província de Hebei fica Cuan Di Xia, patrimônio histórico cultural da Unesco. Uma vila da dinastia Ming, em excelente estado de conservação para seus 500 anos de história e sua destruição durante a invasão japonesa e a Revolução Cultural. O lugar é cercado por uma cadeia montanhosa e, assim, para os corajosos, um passeio por cima dos picos oferece uma visão de quase 360°.
A chegada a Cuan Di Xia leva em torno de duas horas. Três para quem “aluga” um motorista como o nosso, que jura saber o caminho, mas passa 40 minutos ao telefone tentando descobrir como se chega lá. E ainda nos olha e diz: “Se a polícia nos parar, vocês não sabem falar mandarim. Somos só pengyou”. Pengyou significa “amigo”, mas também serve para motorista, garçonete, professora, desconhecido nas ruas, gente para assinar teu contrato de aluguel. Bem fácil.
O sábado em Cun Di Xia começou com um almoço. Como o vilarejo é apenas um vilarejo, e não uma cidade, não há restaurantes, vendas, shoppings. Os locais (porque eles ainda moram lá e respiram bem, como me foi atestado) improvisam mesas nos seus quintais e servem o almoço para quem tiver interessado – e sem muitos critérios. Nós não tínhamos critério nenhum. Visto que não sabíamos o que havia no menu, a solução foi mandar dois enviados especiais, os especialistas da culinária, para a cozinha. Eles apontaram para tudo que parecia bom e seguro e, 40 minutos depois, recebemos sete pratos de tofu, carne e frango. Ah, e legumes. E arroz rosa com feijão. Foi bom, foi bom.
Depois do almoço e de uma conta de números astronômicos, fomos caminhar pelas montanhas. Como a vegetação ainda não se manifestou, foi bonito ver tudo monocolor, em tom marrom, pastel, cara de barro e poeira. Como diria o Luiz, fica a dica.
Ando bem sem saco e muito ocupada com minha pesquisa, meus estudos, meus trabalhos, com a vida aqui. Está tudo bem, está tudo bem.
Coisa rápida.