Tuesday, February 13, 2007

De discretas ironias

Na China acredita-se que, ao nascer, a pessoa já tem 1 ano. 24, então. Mas hoje não será sobre a China. Será sobre mim. Acordei pensando onde foi que perdi este ano. Não sei ao certo se foi um ano de infância, ou de adolescência, ou se ainda vou perder sendo adulta. Mas isto me levou a pensar. Claro, é o que sei fazer melhor. E me levou a fazer um levantamento daquilo que foi e de tudo que esta por vir.
Peguei um táxi e fui ao templo budista A-ma, para clarear as idéias. Fiz as pazes com Buda, ou ele comigo. A coisa com os deuses é que sempre achamos ter controle, mas são eles que nos guiam, no fim. Lembrei que, há pouco menos de um ano, rezei para que Deus me deixasse morrer. Hoje, não. Pedi que Buda me desse saúde e mais sabedoria para lidar com o inusitado.
Pensei muito na China também, e nos segundo que me separaram de tomar outras decisões no passado. Se... Se... Se... Bom. “Se...”, eu não estaria aqui. Não sei o que me levou a aceitar – ou esquecer – planos passados, mas o fato é que eles me trouxeram para longe de tudo e todos. Para o outro lado do mundo. E estar 11 horas distante do Brasil me fez pensar no que deixei ai também. Minha mãe. Amei-a e a odiei. Hoje a tenho como algo preciso, precioso. Um ser humano. Meu pai, que me alegra tanto ao me permitir ser uma criança perto dele. Minha avó, que nunca deixou de me amar – mesmo quando não fui a melhor das netas (ou filha). Minhas irmãs, que põem cores nos meus dias. Meus amigos.
Já chorei de saudades de um deles enquanto conversávamos, olhando nos olhos. Mas também já fiz uma amiga chorar, quando disse que iria embora. Acho que assim a gente se apaixona. Ou se apaixonou. Já fui a uma exposição de arte ucraniana e amei um amigo. Já deixei amigos para trás, fiz novos.
Já me apaixonei por um estranho, e me desapaixonei assim que nossos olhares desviaram e cada um seguiu seu caminho. Mas acho que isso vai acontecer para sempre na vida dos aquarianos. Já beijei de olhos abertos. Já fingi dormir para não discordar – ou ter de argumentar.
Já dancei Madonna na frente do espelho, fazendo do desodorante microfone. Já cantei Audioslave a todo o volume, mas já ouvi Billie Holiday baixinho, baixinho, até parar de chorar. Mas também ainda não sei se não existe pecado do lado de baixo do Equador ou do arpuador. Hoje acho que não há em nenhum.
Já tive o mesmo sonho duas vezes. Mas, de sonhos, realizei poucos. Mas imprescindíveis. Nunca vi a torre Eiffel, nem o muro das lamentações, mas estive na Muralha da China – e aqui não faço julgamentos ou juízo de valor. Não estive na África, ainda. Mas já fui massageada por um cego.
Já mandei um e-mail para um político, pensando que pudesse mudar o mundo. Já quis ir para a África, pensando que poderia mudar a África. Fiz as pazes om a minha mãe – e consciência -, e isso mudou a minha vida.
Aprendi a chorar sem fazer barulho. Nem mesmo sentir. Mas também aprendi a distribuir sorrisos para aqueles que menos esperavam.
Já comi cobra, engoli sapos. Disse o que queriam ouvir, mas também falei aquilo que realmente pensava. Já fiz alguém chorar por isso. Outros gargalharam, outros sorriram educadamente. Já dormi sem tomar banho. Já fingi gostar de uma música para agradar alguém. E já deixei de gostar de uma musica porque me lembrava algo que partiu meu coração. Mas nunca tive uma musica com alguém. Não sei se algum dia cheguei mesmo a ter alguém. Mas acho que conquistei alguns pelo caminho. E eles a mim. E a todos agradeço a compreensão quando tive de partir. Mas também já fingi entender a partida alheia.
Já fiz tatuagem, e menti ao dizer que não doía. Como menti ao dizer que não doía dizer adeus. Ou ao dizer Olá, muito prazer.
Eu sou...
Já fumei ate não ter voz no dia seguinte. Mas também dancei, like no one was watching. Já bebi sozinha em casa ate tudo girar. Mas também fiz uma cesta de três pontos. Já tentei correr mais do que minhas pernas poderiam suportar. Mas também já corri em volta da quadra. Já quis ficar sozinha quando estava acompanhada. Já estive sozinha enquanto estava acompanhada. Já quis alguém quando ninguém lá havia, e aprendi a contar as estrelas assim. Sem me perder, pelo menos.
Mas já pensei que eu mesma fosse grande coisa. Hoje olho meus amigos e familiares e tenho orgulho – e sinto felicidade – em perceber como sou pequena. Acho que por isso já comprei mais do que podia carregar.
Não, CMJ, não sei nada sobre música francesa. Mas sei tudo o que me foi possível saber sobre Flaubert nesses 23 anos. E consegui entender o que ele sentiu no oriente.
Já mudei meus planos por alguém. Alguém já mudou os planos por mim. Mas jamais consegui encontrar o mesmo estranho duas vezes. Já vi o mesmo filme duas vezes. Uma depois da outra. Mas nunca fui a duas sessões de cinema. Já consegui o emprego que eu queria, e já me libertei dele quando não havia mais porquê.
Já estive na TV. Nunca fui famosa. Mas tenho um leitor fiel (o seu Geeeroge Cuozzo). Isso me lembra que já dancei coisas ridículas só para fazer alguém rir. E eu ri. E ri muito. Já chorei de rir. Já chorei de tristeza. De espanto, de solidão, de claustrofobia. Mas já ri ate mijar nas calças. Já fui professora, mas sei que quem aprendeu fui eu.
Já tomei cerveja quente e um dos 10 melhores vinhos do mundo. Mas nunca dividi um vinho do Porto. Já escutei o Big Ben. Já tropecei e já cai na rua. Já ajudei um cego atravessar. Já fui atropelada. Já estive no hospital, mas não desisti, e segui em frente. Já tive o cabelo de todas as cores. Mas ainda não sei qual a minha preferida.
Já esqueci o aniversario de alguém e depois fingi ter confundido as datas. Já tive peso na consciência. Já pedi perdão. Já perdoei. Mas nunca esqueci. Ou já, e agora já não me lembro mais.
Já menti para um estranho. Já falei mais do que deveria a um estranho. Já falei coisas que foram levadas como piada. E também ri de coisas que eram sérias.
Já tive um cachorro. Mas nunca tive um gato. Ah, tive um emprestado.
Já tive cinco festas de aniversario num ano, mas passo este sozinha. Com um vinho do Porto.
Já cometi erros, e não me arrependo. Talvez de tê-los cometido mais algumas vezes depois. Já me apaixonei por um amigo. Já menti minha idade. Já fiz que entendia. Já fingi escutar. Já fiz que sabia algo do que eu falava, sem ter a menor idéia.
Everybody hurts.
Ao umbigo bem educado, falta geralmente mundo. E sendo a cidade um mundo, o mundo não é uma cidade.
“Só quem exercita diariamente a escrita sabe que, por vezes, se impõem vozes que não são as nossas, que se discorre em nome de um anjo qualquer ou demônio que insiste em nos atormentar. E nada mais do que isso.
A vertigem da ficção, sobretudo de mim próprio, é um dos maiores prazeres a que me entrego e que também gosto de partilhar. Todos teremos um pouco desse vício de contemplar abismos internos, de questionar a existência que se nos se desfaz entre os dedos, como uma rocha arenosa. Quero agarrar, e não consigo. Quero pensar, e tudo esqueço. Quero andar, e vacilo. Felizmente há muito que tenho a certeza de não ter certezas. Não sou, logo existo”.
Já desisti de falar de coisas sérias o tempo todo. Prefiro divertir aos outros – e a mim – com meus disparates a ser uma chata a andar pelo mundo - de rodas.
O dia fútil, mais do que os outros dias: o dia das “discretas ironias”. Lembrei do meu amigo Daniel filósofo que, na distância de um celular, descobriu a fragilidade das relações humanas. Eu, longe do orkut, faço o mesmo. Sei que somente aqueles que interessam vão, hoje, pensar em mim. E isso me poupará de votos de amor, paz e harmonia. Não que eu não os deseje. Mas, bom, que sejE.
Nesse passeio pelo que foi aquilo que chamo de minha vida de “jás” e “nãos” há uma ressonância demiúrgica. Obrigada pai, mãe, Flávia, Lala, Bruna, vó, tata, Romanoff, por terem me colocado naquele avião. Ele não só me levou ao outro lado do mundo, mas me levou a mim, e ao ano que perdi no caminho.
Nunca plantei uma árvore. “Nem nunca” escrevi um livro. Mas já... Bom, quase.

9 comments:

Anonymous said...

belo texto (e acentos fazem diferença)!

tens que trazer essa aparição na tv chinesa.

parabéns, morrená! seja lá em que dia ou ano tu vás ler essa mensagem. desejo que a leveza oriental te habite na nova idade e em todas as outras que se seguirem.

(e o ano novo astrológico ainda nem começou!)

bêjos

Unknown said...

Fe,apesar de todos os dias dar uma espiada no blog, hoje não poderia deixar deixar passar a referêncioa que fizeste. Parabéns pelo niver, e "discretas irônias" está sensasional. Sucesso e mais uma vez parabéns. Vou estar sempre de olho nos escritos.Ontem comentei com a Patty, que são ótimos, e só são pela facilidade de expressar teus sentimentos,idéias,etc...até.

Unknown said...

Fêzinha!!!!!
Que saudades grande amiga! Imagina se não chorei lendo esse texto... Quantos desses momentos citados passamos juntas e quantos outros não pude estar presente mas queira muito ter estado. Espero que ainda possamos compartilhar muitas experiências juntas.
Te desejo toda a felicidade do mundo nesse dia (aqui ainda é 14/02) pois tu merece!!! Feliz Aniversário!!!!!
Manda um emailzinho, perdi o teu endereço...
Te amo!!!
Muitas saudades!!!
Tata

Rodrigo Dias said...

Capivarinha,

Continuas contundente, sem deixar de ser delicada. O teu texto, mesmo sem acentos e com algumas "estravagancias", é maravilhoso. Parabéns.

Adri, Carla e estagiário

.... said...

ta, eu me atrasei. e nao estou fingindo trocar as datas, viu.
desculpa?
nao tava conseguindo acessar a internet. excesso de trabalho, mas nenhuma ausencia de pensamentos em ti. juro, juro. de aquariana para aquariana.
mas entao, aqui vai: parabens, parabens, parabens! pode ter certeza de que a tua vida eh uma das mais incriveis que ja cruzaram a minha, as vezes tao obvia.
e te digo que, com teu ultimo comentario no meu blog, colocastes um sorriso no meu rosto quando eu menos esperava. a saudade da compreensao eh a que mais me atinge.
fico feliz em ler que estas te encontrando - imagino o valor disso. e espero que, daqui a um tempo, eu possa dizer o mesmo. mas primeiro, preciso de um pouco de distanciamento dos produtos para vaso sanitario.
penso tanto em ti que ate te comprei um presente. mas isso nao eh uma indireta, ta? hehehe!

texto lindo, chorei.

saudade!
beijos

Ecobelo said...

Murrrena,
Esses dias a Aline me deu o endereço do teu blog. De lá pra cá, sempre te visito. Acho um máximo os teus textos, simplesmente demais mesmo! Toca lá no fundo, tu diz coisas que me fazem pensar e sentir a tua presença bem perto... Bem, só posso te desejar um Feliz Niver e sucesso na vida, minha amiga. Bjok

FêCris said...

Bem como a Luli, eu tambem me atrasei. Engracado que dias antes, ainda em janeiro, eu perguntei pro Diego se era teu aniversario... mas eu nao confundi as datas tambem, simplemente me perdi delas, desculpa.

Respondendo o teu comentario: eu to otima. Me matando de trabalhar, entendendo que crescer eh uma coisa que se faz sozinha e sofrendo e amando muito isso. Adoro saber que tu estas bem, do teu ano que passou, sei que participei e fico muito feliz por isso. Partilho dos pensamentos sobre a vida, sobre nos mesmos.

Uma amiga norueguesa me disse hoje que no Vietna (terra do pai biologico dela) as pessoas tambem ja nascem com um ano. Ela me disse isso hoje... e eu tambem li no teu blog... recorrencias.

Sobre o teu texto: parabens.

Continua mandando noticias. Eu tambem me orgulho muito de ti, e de fazer parte da tua vida de alguma forma.
Beijos

Fernanda Arechavaleta said...

Pois é...
eu também me atrasei... mas não esqueci... na verdade acho que teu aniver tinha que ser tranferido para nós comemorarmos quando vc chegar aqui!
Bjuss
Nanda

Fernanda Arechavaleta said...

Ah... esqueci...
vai te preparando que eu vou ter que te entrevistar assim que chegar no Brasil!!
Depois te explico..
Bjus
Nanda Are