Acho que ainda é cedo para falar do resultado dos últimos 16 dias. Nem sei como acabou porque mal senti começar. Mas é fato de que mais pessoas normais estão nas ruas – leia-se gente fora de forma, barba por fazer e de cara fechada.
Amém. Esse pode ser um bom indicativo para que sim, tudo aquilo chegou ao fim. Minha forçosa conclusão é de que o tempo passa rápido quanto mais profissional e diplomático se é.
Disse que nem vi quando começou porque, tirando os cem mil uniformes a desfilar pelas ruas, todo o resto me pareceu normal – à exceção daqueles que gozam de boa forma física. Porém, concordo com meu amigo Mikael, que apontou que a expectativa toda foi, de certa forma, abafada por um estranho vazio.
E agora que ninguém liga lá muito para a segunda parte da história (não é preciso ser politicamente elegante em uma hora dessas), acho eu tudo ficará como estava menos 16 dias.
Enquanto isso, tenho experimentado dias de reviver o passado. Diversos passeios pelas áreas antigas da cidade, antes que elas rejuvenesçam. Diversas conversas com os idosos de Beijing. Diversas visitas de amigos mais antigos. Parece mais família depois de 16 dias, mais vida real.
E eu sigo achando que a pior parte de mudar de casa é se adaptar à máquina de lavar roupa suja.
Saturday, August 30, 2008
Saturday, August 16, 2008
Wednesday, August 06, 2008
De caleidoscópios
Os antigos só admitiam três cores primárias: amarelo, vermelho e azul, e os pintores modernos não admitem nenhuma outra. De fato, essas três cores são as únicas insolúveis e irredutíveis. Todos sabem que a luz solar é composta por uma série de sete cores, que Sir Isaac Newton chamava de primitivas – violeta, anil, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho; mas é óbvio que a denominação “primitiva” não pode ser aplicada a três delas, que são compostas, pois o laranja é uma mistura de vermelho e amarelo; o verde, de amarelo e azul; e o violeta, de vermelho e azul. Quanto ao anil, não está entre as cores primitivas porque não passa de uma variedade do azul. Assim, de acordo com os antigos, é preciso reconhecer que existem apenas três cores verdadeiramente elementares na natureza, as quais, quando misturadas em dupla, produzem mais três compostas, ditas secundárias: laranja, verde e violeta. Esses rudimentos, aperfeiçoados pelos cientistas modernos, levaram à elaboração de certas leis que formam uma teoria esclarecedora das cores, teoria que Eugène Delacroix dominou em toda a sua amplitude após captá-la instintivamente. Se combinarmos duas cores primárias – amarelo e vermelho, por exemplo – para produzir uma secundária – laranja -, esta alcançará o máximo de brilho quando for colocada perto da terceira cor primária não utilizada na mistura. Do mesmo modo, se combinarmos vermelho e azul para produzir o violeta, essa cor secundária se intensificará na proximidade imediata do amarelo. Finalmente, se combinarmos amarelo e azul para produzir verde, este terá mais intensidade na vizinhança imediata do vermelho. Cada uma das três cores primárias é chamada corretamente de complementar com respeito à cor secundária correspondente. Assim, o azul é complementar do laranja; o amarelo, do violeta; e o vermelho, do verde. Ao contrário, cada cor combinada é complementar da cor primária não utilizada na mistura. A intensificação mútua recebe o nome de lei do contraste simultâneo.
Quando as cores complementares são produzidas com força igual, ou seja, com o mesmo grau de vivacidade e brilho, sua justaposição as intensifica a tal ponto que o olho humano mal consegue suportá-las.
E, devido a um fenômeno singular, as mesmas cores que se intensificam quando justapostas destroem uma à outra quando misturadas. Assim, misturarmos azul e laranja em quantidades iguais, o laranja ficará tão pouco laranja quanto o azul ficará azul; a mistura destrói as duas cores, e surge em seu lugar um cinza absolutamente sem graça.
Entretanto, se misturarmos as duas cores complementares em proporções desiguais, elas se destroem apenas parcialmente, gerando um tom esmaecido, que será uma variedade de cinza. Portanto, novos contrastes podem ser obtidos da justaposição de duas cores complementares, uma pura, a outra esmaecida. Como a luta é desigual, uma das duas cores vence, e a intensidade da cor predominante não impede a harmonia do par.
Ora, se misturarmos cores similares em estado puro, porém em graus diferentes de intensidade, obteremos outro efeito, no qual haverá contraste por causa da diferença de intensidade e, ao mesmo tempo, harmonia por causa da similaridade de tons. Finalmente, se duas cores similares forem colocadas lado a lado, uma em estado puro, a outra esmaecida – por exemplo, azul e azul-acinzentado -, daí resultará um novo tipo de contraste, diluído pela analogia. Existem, pois, vários meios, distintos mas igualmente infalíveis, de intensificar, preservar, enfraquecer ou neutralizar o efeito de uma cor, por sua reação a tons contíguos – por seu contato com aquilo que ela não é.
Para intensificar e harmonizar o efeito de suas cores, Delacroix se valia do mesmo tempo do contraste as complementares e da concordância das análogas; ou, em outras palavras, da repetição de uma cor vívida pelo mesmo tom esmaecido.
Van Gogh, 13-17 abril de 1885.
Feliz dia dos Namorados.
Quando as cores complementares são produzidas com força igual, ou seja, com o mesmo grau de vivacidade e brilho, sua justaposição as intensifica a tal ponto que o olho humano mal consegue suportá-las.
E, devido a um fenômeno singular, as mesmas cores que se intensificam quando justapostas destroem uma à outra quando misturadas. Assim, misturarmos azul e laranja em quantidades iguais, o laranja ficará tão pouco laranja quanto o azul ficará azul; a mistura destrói as duas cores, e surge em seu lugar um cinza absolutamente sem graça.
Entretanto, se misturarmos as duas cores complementares em proporções desiguais, elas se destroem apenas parcialmente, gerando um tom esmaecido, que será uma variedade de cinza. Portanto, novos contrastes podem ser obtidos da justaposição de duas cores complementares, uma pura, a outra esmaecida. Como a luta é desigual, uma das duas cores vence, e a intensidade da cor predominante não impede a harmonia do par.
Ora, se misturarmos cores similares em estado puro, porém em graus diferentes de intensidade, obteremos outro efeito, no qual haverá contraste por causa da diferença de intensidade e, ao mesmo tempo, harmonia por causa da similaridade de tons. Finalmente, se duas cores similares forem colocadas lado a lado, uma em estado puro, a outra esmaecida – por exemplo, azul e azul-acinzentado -, daí resultará um novo tipo de contraste, diluído pela analogia. Existem, pois, vários meios, distintos mas igualmente infalíveis, de intensificar, preservar, enfraquecer ou neutralizar o efeito de uma cor, por sua reação a tons contíguos – por seu contato com aquilo que ela não é.
Para intensificar e harmonizar o efeito de suas cores, Delacroix se valia do mesmo tempo do contraste as complementares e da concordância das análogas; ou, em outras palavras, da repetição de uma cor vívida pelo mesmo tom esmaecido.
Van Gogh, 13-17 abril de 1885.
Feliz dia dos Namorados.
Monday, June 23, 2008
De 8 seg
São os oito segundos depois que começa a chover que é possível sentir o cheiro da grama molhada. Mas sempre me fascinaram os 8 segundos que antecipam a precipitação: o cheiro de que a chuva vem. São os oito segundos que separam o raio do trovão, os oito segundos que leva para ficar absoluta e totalmente encharcada nos temporais do verão de Pequim. As mudanças do tempo – tão abruptas como eu mesma.
A parte boa: não é o arco-íris. A parte boa é que, depois da chuva, respira-se com mais facilidade. Há uma mudança no ar, nas partículas, nos átomos, ou o que for. O céu fica mais perto do azul. A poeira cola no chão e não no meu cabelo.
Foi o meu segundo - por coincidência, em uma sexta-feira - banho de chuva. Menos entusiasmo e mais roupa do que tomar banho de chuva quando criança; ainda assim, um tanto quanto libertador. Uma idéia ultrapassada e poética de lavar a alma. Porém, falo de verdade. Há algo sobre a água da chuva.
No início, tive de dar risada. Desde que deixei a Cristóvão Colombo que não me via perdendo o sapato na correnteza que corta a rua. Também foram oito segundos que separaram meu sorriso de um ódio das coisas que, oito segundos antes de começar a chover, faziam-me feliz. Os Hutongs perto da minha casa, o corte de cabelo, a blusa, branca e sugestiva. Nada funciona bem quando se tem tanta chuva em tão pouco tempo.
Em um ataque de tédio e necessidade de elevar o pensamento – ou abaixar?! – para as coisas mais banais da existência terrena, fiz um teste de personalidade na internet. Queria saber que desastre natural eu sou. Sou a inundação. Aparentemente levo não mais do que oito segundos para explodir e causar destruição; avisados, contudo, com alguma antecedência.
E por que só pára de chover quando chego em casa? Por que tenho que ficar presa na estação de metrô mais infernal desta cidade, pouco antes de ir ao meu compromisso? Murphy. Murphy, no teste de personalidade, também é inundação. Senão, por que eu tiraria minha sombrinha da bolsa nas sextas-feiras? Justo nas sextas-feiras. E se eu parasse oito segundos antes de sair porta afora e revisasse o conteúdo da minha bagagem de mão? Eu perceberia que o item mais importante da sexta-feira me faltava? Nunca consigo parar antes de “storming out”. Já abandonei umas quatro vezes os bares aqui após discussão de bêbados. Porque, além de não ter mais nada a dizer, não poderia explodir em local público. E oito segundos separam um triste fim de uma corrida de taxi.
E foi aí que me dei conta que, toda a sexta-feira, chove. De uma hora para a outra. O dia vira noite, e as nuvens desabam sobre a cidade. Quarenta relâmpagos depois, seguidos de trovoadas assombrosas, a meia hora passa e o dia volta. Quando chegamos em casa. Comentei isso com alguém, já nem lembro quem. Esse alguém me disse que “ouviu dizer” (ting shuo, o verbo preferido e mais usado pelos chineses: não se afirma nada, não se ouve propriamente) que o governo tem provocado as chuvas, para aliviar o clima, melhorar a condição do ar e planejar quais os dias em que poderá haver chuva durante as Olimpíadas. Nem sei se isso é possível. Se alguém ouvir dizer alguma coisa sobre isso, talvez possa me explicar.
Sempre que chove, o tempo muda. Acho que, se essa história for verdade, é bom mesmo que seja no último dia da semana. Para limpar o peso da consciência e abrir o tempo para as empreitadas da semana seguinte.
Sim, o governo deveras controla tudo por aqui. Queria que eles me implodissem também, de vez em quando. Ou oito segundos antes de eu falar qualquer besteira como essa. Que mudasse minha semana como consegue mudar nossa vida de pedestre. Sim, controla tudo. Até porque, pouco antes de chover, o céu perde um pouco do marrom para a cor de vinho. Vermelho, como tem que ser.
A parte boa: não é o arco-íris. A parte boa é que, depois da chuva, respira-se com mais facilidade. Há uma mudança no ar, nas partículas, nos átomos, ou o que for. O céu fica mais perto do azul. A poeira cola no chão e não no meu cabelo.
Foi o meu segundo - por coincidência, em uma sexta-feira - banho de chuva. Menos entusiasmo e mais roupa do que tomar banho de chuva quando criança; ainda assim, um tanto quanto libertador. Uma idéia ultrapassada e poética de lavar a alma. Porém, falo de verdade. Há algo sobre a água da chuva.
No início, tive de dar risada. Desde que deixei a Cristóvão Colombo que não me via perdendo o sapato na correnteza que corta a rua. Também foram oito segundos que separaram meu sorriso de um ódio das coisas que, oito segundos antes de começar a chover, faziam-me feliz. Os Hutongs perto da minha casa, o corte de cabelo, a blusa, branca e sugestiva. Nada funciona bem quando se tem tanta chuva em tão pouco tempo.
Em um ataque de tédio e necessidade de elevar o pensamento – ou abaixar?! – para as coisas mais banais da existência terrena, fiz um teste de personalidade na internet. Queria saber que desastre natural eu sou. Sou a inundação. Aparentemente levo não mais do que oito segundos para explodir e causar destruição; avisados, contudo, com alguma antecedência.
E por que só pára de chover quando chego em casa? Por que tenho que ficar presa na estação de metrô mais infernal desta cidade, pouco antes de ir ao meu compromisso? Murphy. Murphy, no teste de personalidade, também é inundação. Senão, por que eu tiraria minha sombrinha da bolsa nas sextas-feiras? Justo nas sextas-feiras. E se eu parasse oito segundos antes de sair porta afora e revisasse o conteúdo da minha bagagem de mão? Eu perceberia que o item mais importante da sexta-feira me faltava? Nunca consigo parar antes de “storming out”. Já abandonei umas quatro vezes os bares aqui após discussão de bêbados. Porque, além de não ter mais nada a dizer, não poderia explodir em local público. E oito segundos separam um triste fim de uma corrida de taxi.
E foi aí que me dei conta que, toda a sexta-feira, chove. De uma hora para a outra. O dia vira noite, e as nuvens desabam sobre a cidade. Quarenta relâmpagos depois, seguidos de trovoadas assombrosas, a meia hora passa e o dia volta. Quando chegamos em casa. Comentei isso com alguém, já nem lembro quem. Esse alguém me disse que “ouviu dizer” (ting shuo, o verbo preferido e mais usado pelos chineses: não se afirma nada, não se ouve propriamente) que o governo tem provocado as chuvas, para aliviar o clima, melhorar a condição do ar e planejar quais os dias em que poderá haver chuva durante as Olimpíadas. Nem sei se isso é possível. Se alguém ouvir dizer alguma coisa sobre isso, talvez possa me explicar.
Sempre que chove, o tempo muda. Acho que, se essa história for verdade, é bom mesmo que seja no último dia da semana. Para limpar o peso da consciência e abrir o tempo para as empreitadas da semana seguinte.
Sim, o governo deveras controla tudo por aqui. Queria que eles me implodissem também, de vez em quando. Ou oito segundos antes de eu falar qualquer besteira como essa. Que mudasse minha semana como consegue mudar nossa vida de pedestre. Sim, controla tudo. Até porque, pouco antes de chover, o céu perde um pouco do marrom para a cor de vinho. Vermelho, como tem que ser.
Wednesday, May 14, 2008
De terremotos
Passou por aqui, mas nem vi. Quem mora no alto, sentiu. Por enquanto, permaneço viva e com uma única experiência em terremotos no meu currículo: a simulação de Kobe em Londres.
Pior que um terremoto na China é um bando de chineses preocupados que algo aconteça com as olimpíadas.
Até agora, nenhuma força da natureza me abalou. Ou isso pode ficar para debate.
Pior que um terremoto na China é um bando de chineses preocupados que algo aconteça com as olimpíadas.
Até agora, nenhuma força da natureza me abalou. Ou isso pode ficar para debate.
Tuesday, May 06, 2008
De perenindades
Pode parecer besteira, ou um apontamento de estúpida obviedade – e daí, por que então eu falo sobre isso?! -, mas é muito difícil se fazer entender na China. Não só pela clara distância lingüística, mas pela barreira semântica do pensamento. Uma idéia pode até ser concebida dentro de um significante comum, mas o inerente significado pode ser desastroso. Há esse medo constante dentro de mim, de escandalizar meus interlocutores beyond repair.
Nem sempre os cardápios têm fotos. Nem sempre a minha concepção de liberdade é a mesma. Quase nunca estamos falando sobre o mesmo assunto, essa é a idéia. E aí que, de uma mera confusão tonal para um julgamento terno, é apenas um caractere.
Para tentar convencer – a mim e aos outros – do que o que eu quero dizer é isso, e que talvez não seja tão ruim, consegui um “parceiro de línguas”. Com S no final, que é para não haver enganos. Um formando em Letras que gosta de Yeah Yeah Yeah e que já entendeu que, às vezes, eu troco os adjetivos (“ótimo” vira “gordo” com facilidade, principalmente para minha mente ansiosa). Guo Wei, como ele se chama, é um daqueles poucos rapazes chineses de maxilar largo, quadrado, dentes brancos, e que não vê a vida no país em mono. Estabeleceu um plano de aulas para mim que consiste em apreciar, não só conseguir utilizar, a diferença entre os adjetivos, tudo baseado em coisas do cotidiano. Como a revista de música que ele trouxe na mochila para o nosso primeiro almoço, por exemplo. E eu, para não passar por uma “estrangeira carnívora, aproveitadora de rapazes chineses com maxilar largo e quadrado”, levei junto ao almoço meu amigo sueco Mikael. Ledos enganos.
Estou dividindo a minha vida aqui entre estudos amplos dos significados - e seus antônimos – com muito trabalho e chá. É a vida normal de um estudante estrangeiro que, com sorte, consegue fazer algo além de escrever 50 caracteres por dia, 10 vezes cada. E é preciso dizer: não é como estudar em Londres. Sair da aula, ir a um café e tudo está resolvido. Acordo muitas vezes pensando o que estou fazendo aqui. Perdendo tempo, dinheiro e paciência com uma língua que nunca vou conseguir atingir a proficiência. Mas há outros dias que, numa despretensiosa tentativa de comer algo, eu me faço entender, e tudo fica bem.
Tenho tentando não me sentir frustrada, e não tentar comparar aprender inglês ou francês com mandarim. Não há nada semelhante (e é importante manter isso em mente quando se decide aprender a falar chinês). Talvez coreano, já que, aparentemente, eu uso a gramática dessa língua para falar mandarim, como me apontou a professora.
Talvez num plano futuro.....
Este final de semana já está planejado. Será uma inserção profunda no mandarim. Tenho um treinamento para as Olimpíadas no sábado de manhã, um passeio agendado à tarde, três bandas à noite e uma visita ao Palácio de Verão no domingo, onde eu nunca fui. E, para não me sentir tão distante da minha vida normal em Porto Alegre, comprei dois volumes (bilíngüe) sobre a história da filosofia chinesa. Confesso que leio somente as páginas ímpares; de vez em quando, contudo, olho que caracteres eles usam para descrever as diferenças entre a religião e a filosofia taoista. Antes de dormir.
E aqui tudo dura pouco - menos as contradições (perenes): o melhor restaurante, os protestos, a liberdade da internet. Tudo bloqueado mais uma vez.
Nem sempre os cardápios têm fotos. Nem sempre a minha concepção de liberdade é a mesma. Quase nunca estamos falando sobre o mesmo assunto, essa é a idéia. E aí que, de uma mera confusão tonal para um julgamento terno, é apenas um caractere.
Para tentar convencer – a mim e aos outros – do que o que eu quero dizer é isso, e que talvez não seja tão ruim, consegui um “parceiro de línguas”. Com S no final, que é para não haver enganos. Um formando em Letras que gosta de Yeah Yeah Yeah e que já entendeu que, às vezes, eu troco os adjetivos (“ótimo” vira “gordo” com facilidade, principalmente para minha mente ansiosa). Guo Wei, como ele se chama, é um daqueles poucos rapazes chineses de maxilar largo, quadrado, dentes brancos, e que não vê a vida no país em mono. Estabeleceu um plano de aulas para mim que consiste em apreciar, não só conseguir utilizar, a diferença entre os adjetivos, tudo baseado em coisas do cotidiano. Como a revista de música que ele trouxe na mochila para o nosso primeiro almoço, por exemplo. E eu, para não passar por uma “estrangeira carnívora, aproveitadora de rapazes chineses com maxilar largo e quadrado”, levei junto ao almoço meu amigo sueco Mikael. Ledos enganos.
Estou dividindo a minha vida aqui entre estudos amplos dos significados - e seus antônimos – com muito trabalho e chá. É a vida normal de um estudante estrangeiro que, com sorte, consegue fazer algo além de escrever 50 caracteres por dia, 10 vezes cada. E é preciso dizer: não é como estudar em Londres. Sair da aula, ir a um café e tudo está resolvido. Acordo muitas vezes pensando o que estou fazendo aqui. Perdendo tempo, dinheiro e paciência com uma língua que nunca vou conseguir atingir a proficiência. Mas há outros dias que, numa despretensiosa tentativa de comer algo, eu me faço entender, e tudo fica bem.
Tenho tentando não me sentir frustrada, e não tentar comparar aprender inglês ou francês com mandarim. Não há nada semelhante (e é importante manter isso em mente quando se decide aprender a falar chinês). Talvez coreano, já que, aparentemente, eu uso a gramática dessa língua para falar mandarim, como me apontou a professora.
Talvez num plano futuro.....
Este final de semana já está planejado. Será uma inserção profunda no mandarim. Tenho um treinamento para as Olimpíadas no sábado de manhã, um passeio agendado à tarde, três bandas à noite e uma visita ao Palácio de Verão no domingo, onde eu nunca fui. E, para não me sentir tão distante da minha vida normal em Porto Alegre, comprei dois volumes (bilíngüe) sobre a história da filosofia chinesa. Confesso que leio somente as páginas ímpares; de vez em quando, contudo, olho que caracteres eles usam para descrever as diferenças entre a religião e a filosofia taoista. Antes de dormir.
E aqui tudo dura pouco - menos as contradições (perenes): o melhor restaurante, os protestos, a liberdade da internet. Tudo bloqueado mais uma vez.
Friday, May 02, 2008
De extremismos
Temos presenciado diversas manifestações (aqui e por aí) relacionadas às Olimpíadas na China (contra e a favor).
Eu ando com um pouco de medo de ir ao Carrefour - único lugar onde conseguimos o kit de sobrevivência para brasileiros. A praça Tian'An Men também está esquisita para estrangeiros. E o festival Midi, o maior festival de música de Beijing (um woodstock sem sexo, sem drogas e com duvidoso rock'n'roll) foi cancelado. Há o medo constante que alguém desse uma à lá Bjork e gritasse qualquer coisa no microfone. Isso se deve, em especial, às 30 bandas estrangeiras confirmadas para os três dias de evento. Para as 50 chinesas... acho que já estamos todos bem avisados aqui.
Parece que o evento irá acontecer em outubro. depois das Olimpíadas. Para que nada estrague os jogos na China.
ok le!
Eu ando com um pouco de medo de ir ao Carrefour - único lugar onde conseguimos o kit de sobrevivência para brasileiros. A praça Tian'An Men também está esquisita para estrangeiros. E o festival Midi, o maior festival de música de Beijing (um woodstock sem sexo, sem drogas e com duvidoso rock'n'roll) foi cancelado. Há o medo constante que alguém desse uma à lá Bjork e gritasse qualquer coisa no microfone. Isso se deve, em especial, às 30 bandas estrangeiras confirmadas para os três dias de evento. Para as 50 chinesas... acho que já estamos todos bem avisados aqui.
Parece que o evento irá acontecer em outubro. depois das Olimpíadas. Para que nada estrague os jogos na China.
ok le!
Tuesday, April 29, 2008
De éteres
Enquanto a vida real não começa, encho-me de bicos. Como criança.
Uma semana em Hong Kong foi o suficiente para encher meu corpo de ar tranqüilo, mais lucidez e luxo ultrapassado. Hong Kong ainda é a cidade mais cara da China (apesar de ter sido um vôo internacional que me levou até lá).
Como na primeira vez, desço em uma Hong Kong úmida e chuvosa. Por sorte cheguei lá. Há dez minutos d distância entre céu e o aeroporto internacional de Hong Kong, o pilto nos informa, em bom mandarim, que teremos de ir para uma cidade próxima devido a um tufão. Pensei que não fôssemos sobreviver a intensa turbulência, mas aterrissamos, por fim, em Guanzhou – ou Cantão – para três longas horas de espera sem sair da aeronave. Tento perguntar se posso sair, esticar as pernas. O vôo tinha sido uma droga, e eu não podia parar de pensar em: por que os sacos de lixo estão todos na frente da porta de saída de emergência?; Por que ninguém está sentado enquanto o avião sacode tanto? Por que três senhores, duas mulheres e uma criança levantaram assim que o sinal de apertar os sintos foi ligado?
A aeromoça (aqui elas ainda são isso), em um péssimo inglês, diz para eu esperar por novas instruções. Peço-as em mandarim, e ela me explica com um sorriso o que iria acontecer.
Depois de três horas de avião e 20 minutos de vôo, chego a Hong Kong. O ar molhado de chuva é um alivio para meus pulmões, já cansados de Beijing.
Foi uma semana cheia de trabalho, encontros com brasileiros, overpriced beer e negociações em mandarim, para o deleite de todos os brasileiros presentes. Eu falava e meus interlocutores eram obrigados a concordar. Foi uma vitória pessoal.
Para aliviar o dia de feira, vamos a rua dos bares – a mesma em que estive há um ano atrás. A pequena Londres de pubs, amendoim e cerveja internacional. Nem é preciso dizer que não precisou dois copos para me fazer levantar da mesa e rodopiar pelo bar, quase vazio. Uma chinesa me acompanha e, logo, os demais brasileiros entram na dança. Em 20 minutos enchemos o bar. Foram horas e horas de hip hop esquizofrênico (o DJ não podia tocar rock – deve ter ouvido as histórias do demo).
Voltei para Pequim de ressaca e com pouca voz, sentindo falta da gentileza da antiga colônia e da civilização que espera, na fila, mas o resto da vida.
Quase não consigo chegar em casa. Destruíram, além do meu restaurante preferido, a lan house que me indicava a rua que moro. Não há mais nada daquele lado da rua. Só poeira, poeira e poeira.
Na mesma noite vou com alguns amigos a Hou Hai, uma área antiga que circunda um belo lago, cheia de bares e restaurantes. Vamos ao Obiwan, bar que oferece, de 15 em 15 dias, uma noite de indie rock, “para aqueles que pensam e gostam de boa música”, como diz o cartaz no banheiro. Não havia ninguém lá. O DJ estava doente. Resolvemos sentar, de qualquer forma, para um update da semana que perdi – inclusive as provas. Paciência. Queria mesmo era estar em Hong Kong.
A semana recomeça cheia de conflitos e boas-novas. Vou começar a dar aula de português para os chineses e, quem sabe, me readaptar ao idioma, que já ficou distante o suficiente para dar saudade.
Hoje é o primeiro dia.
Além disso, estou bastante orgulhosa de presenciar este momento na China. A internet foi "liberada". Até mesmo a BBC e o Wikipedia. Ainda assim, não consigo carregar páginas com 1989......
Uma semana em Hong Kong foi o suficiente para encher meu corpo de ar tranqüilo, mais lucidez e luxo ultrapassado. Hong Kong ainda é a cidade mais cara da China (apesar de ter sido um vôo internacional que me levou até lá).
Como na primeira vez, desço em uma Hong Kong úmida e chuvosa. Por sorte cheguei lá. Há dez minutos d distância entre céu e o aeroporto internacional de Hong Kong, o pilto nos informa, em bom mandarim, que teremos de ir para uma cidade próxima devido a um tufão. Pensei que não fôssemos sobreviver a intensa turbulência, mas aterrissamos, por fim, em Guanzhou – ou Cantão – para três longas horas de espera sem sair da aeronave. Tento perguntar se posso sair, esticar as pernas. O vôo tinha sido uma droga, e eu não podia parar de pensar em: por que os sacos de lixo estão todos na frente da porta de saída de emergência?; Por que ninguém está sentado enquanto o avião sacode tanto? Por que três senhores, duas mulheres e uma criança levantaram assim que o sinal de apertar os sintos foi ligado?
A aeromoça (aqui elas ainda são isso), em um péssimo inglês, diz para eu esperar por novas instruções. Peço-as em mandarim, e ela me explica com um sorriso o que iria acontecer.
Depois de três horas de avião e 20 minutos de vôo, chego a Hong Kong. O ar molhado de chuva é um alivio para meus pulmões, já cansados de Beijing.
Foi uma semana cheia de trabalho, encontros com brasileiros, overpriced beer e negociações em mandarim, para o deleite de todos os brasileiros presentes. Eu falava e meus interlocutores eram obrigados a concordar. Foi uma vitória pessoal.
Para aliviar o dia de feira, vamos a rua dos bares – a mesma em que estive há um ano atrás. A pequena Londres de pubs, amendoim e cerveja internacional. Nem é preciso dizer que não precisou dois copos para me fazer levantar da mesa e rodopiar pelo bar, quase vazio. Uma chinesa me acompanha e, logo, os demais brasileiros entram na dança. Em 20 minutos enchemos o bar. Foram horas e horas de hip hop esquizofrênico (o DJ não podia tocar rock – deve ter ouvido as histórias do demo).
Voltei para Pequim de ressaca e com pouca voz, sentindo falta da gentileza da antiga colônia e da civilização que espera, na fila, mas o resto da vida.
Quase não consigo chegar em casa. Destruíram, além do meu restaurante preferido, a lan house que me indicava a rua que moro. Não há mais nada daquele lado da rua. Só poeira, poeira e poeira.
Na mesma noite vou com alguns amigos a Hou Hai, uma área antiga que circunda um belo lago, cheia de bares e restaurantes. Vamos ao Obiwan, bar que oferece, de 15 em 15 dias, uma noite de indie rock, “para aqueles que pensam e gostam de boa música”, como diz o cartaz no banheiro. Não havia ninguém lá. O DJ estava doente. Resolvemos sentar, de qualquer forma, para um update da semana que perdi – inclusive as provas. Paciência. Queria mesmo era estar em Hong Kong.
A semana recomeça cheia de conflitos e boas-novas. Vou começar a dar aula de português para os chineses e, quem sabe, me readaptar ao idioma, que já ficou distante o suficiente para dar saudade.
Hoje é o primeiro dia.
Além disso, estou bastante orgulhosa de presenciar este momento na China. A internet foi "liberada". Até mesmo a BBC e o Wikipedia. Ainda assim, não consigo carregar páginas com 1989......
Thursday, April 17, 2008
De cinismo
Se esse não for um dos pecados, deveria entrar na lista. Na top list. E, na preocupação de incorrer em falsas pretensões, péssimos julgamentos e limitação de linguagem, aposto em Huxley, que sabia das coisas como poucos.
"• Ser cínico é uma qualidade; isto é, quando se sabe onde parar. Quase todas as coisas que nos ensinaram a respeitar e reverenciar não merecem mais do que cinismo. Considere o seu próprio caso. Ensinaram-lhe a cultuar idéias como patriotismo, a justiça social, a ciência, o amor romântico. Disseram-lhe que virtudes tais como a lealdade, a temperança, a coragem, a prudência são boas em si mesmas, em quaisquer circunstâncias. Garantiram-lhe que o sacrifício é sempre esplêndido e os belos sentimentos invariavelmente bons. Tudo isso é bobagem, tudo uma chusma de mentiras que os homens inventaram a fim de ter pretexto para continuar a negar Deus e a chafurdar no próprio egostimo. Quem não foi firme e inabalavelmente cínico em relação ao palanfrório solene dos bispos, banqueiros, professores, políticos e todos os demais, está perdido. Completamente. Condenado à prisão perpétua no cárcere do “ego”, condenado a ser uma personalidade no mundo das personalidades, mundo esse que é o nosso mundo – da cobiça, do medo e do ódio, da guerra e do capitalismo, da ditadura e da escravidão. Sim, é preciso ser cínico, Pete. E cínico especialmente para com as ações e os sentimentos que nos ensinaram a supor bons. Quase todos não o são. Não passam de males que recomendam quem os pratica, mas, infelizmente, esses males são tão maus quanto os demais. Em última análise, os escribas e os fariseus não são melhores que os publicanos e pecadores. De fato, são, às vezes, muito piores. Por várias razões. Sendo conceituados pelos outros, julgam bem de si mesmos; e nada robustece tanto o egotismo como fazer alguém bom conceito de si. Depois, publicanos e pecadores são apenas animais humanos, sem energia e autodomínio bastante para fazerem muito mal. Ao passo que os escribas e os fariseus têm todas as virtudes, exceto duas das únicas que contam, e bastante inteligência para compreender tudo, menos a natureza real do mundo. Publicanos e pecadores, quando muito, fornicam e excedem-se no comer e no beber. Os homens que fazem guerras, os que escravizam os semelhantes, os que matam, torturam e mentem em nome de suas causas sagradas – em suma, os homens realmente maus – nunca são os publicanos ou os pecadores. Não; os virtuosos, os respeitáveis, os donos dos mais belos sentimentos e dos melhores cérebros, dos mais nobres ideais. (diferenças entre oriente e ocidente são ainda como um pensamento polarizado; os pares. Não o mero preto e branco, ou o zero e o um. Da complexidade e da incerteza. E isso não significa que um seja melhor ou pior; tampouco sugere que um seja à esquerda, o outro à direita. Sugerem apenas que são ambientes específicos, divididos e separados por alguns milhares de outros pares que, somados, resultam na matemática mais atroz que é a vida sobre a terra – a realidade virtual. )"
"• Ser cínico é uma qualidade; isto é, quando se sabe onde parar. Quase todas as coisas que nos ensinaram a respeitar e reverenciar não merecem mais do que cinismo. Considere o seu próprio caso. Ensinaram-lhe a cultuar idéias como patriotismo, a justiça social, a ciência, o amor romântico. Disseram-lhe que virtudes tais como a lealdade, a temperança, a coragem, a prudência são boas em si mesmas, em quaisquer circunstâncias. Garantiram-lhe que o sacrifício é sempre esplêndido e os belos sentimentos invariavelmente bons. Tudo isso é bobagem, tudo uma chusma de mentiras que os homens inventaram a fim de ter pretexto para continuar a negar Deus e a chafurdar no próprio egostimo. Quem não foi firme e inabalavelmente cínico em relação ao palanfrório solene dos bispos, banqueiros, professores, políticos e todos os demais, está perdido. Completamente. Condenado à prisão perpétua no cárcere do “ego”, condenado a ser uma personalidade no mundo das personalidades, mundo esse que é o nosso mundo – da cobiça, do medo e do ódio, da guerra e do capitalismo, da ditadura e da escravidão. Sim, é preciso ser cínico, Pete. E cínico especialmente para com as ações e os sentimentos que nos ensinaram a supor bons. Quase todos não o são. Não passam de males que recomendam quem os pratica, mas, infelizmente, esses males são tão maus quanto os demais. Em última análise, os escribas e os fariseus não são melhores que os publicanos e pecadores. De fato, são, às vezes, muito piores. Por várias razões. Sendo conceituados pelos outros, julgam bem de si mesmos; e nada robustece tanto o egotismo como fazer alguém bom conceito de si. Depois, publicanos e pecadores são apenas animais humanos, sem energia e autodomínio bastante para fazerem muito mal. Ao passo que os escribas e os fariseus têm todas as virtudes, exceto duas das únicas que contam, e bastante inteligência para compreender tudo, menos a natureza real do mundo. Publicanos e pecadores, quando muito, fornicam e excedem-se no comer e no beber. Os homens que fazem guerras, os que escravizam os semelhantes, os que matam, torturam e mentem em nome de suas causas sagradas – em suma, os homens realmente maus – nunca são os publicanos ou os pecadores. Não; os virtuosos, os respeitáveis, os donos dos mais belos sentimentos e dos melhores cérebros, dos mais nobres ideais. (diferenças entre oriente e ocidente são ainda como um pensamento polarizado; os pares. Não o mero preto e branco, ou o zero e o um. Da complexidade e da incerteza. E isso não significa que um seja melhor ou pior; tampouco sugere que um seja à esquerda, o outro à direita. Sugerem apenas que são ambientes específicos, divididos e separados por alguns milhares de outros pares que, somados, resultam na matemática mais atroz que é a vida sobre a terra – a realidade virtual. )"
Sunday, April 13, 2008
De mudanças na China
Tenho um pouco de medo de, como disse meu primo, perder o olhar estrangeiro sobre Beijing. Começar a achar tudo normal, tudo “coisa da China”. Algumas coisas, no entanto, não passam tão facilmente despercebidas.
O meu prédio fica em frente à Universidade, no lado norte de uma das mais importantes ruas do bairro. No lado que será destruído para o alargamento da avenida. Meu prédio está a salvo, por ficar mais para dentro, mas os restaurantes (inclusive o meu preferido), as lojas e escritórios começaram a ser destruídos neste domingo – um dia lindo de sol, primaveril, que me levou a fazer um pic-nic no parque. Na volta do passeio, já não havia mais restaurante favorito.
Hoje mesmo vi a garçonete do restaurante na rua, abraçada ao namorado. Na última vez que fomos comer lá, na sexta, tivemos uma briga com ela, eu e meu colega dos Estados Unidos. Ela sempre foi tão antipática, e sempre respondeu com um sorriso amarelo aos nossos pedidos. Hoje fiquei chocada quando saí da escola e vi que não havia mais opções. Nem para ela.
O alargamento foi aferido à necessidade de melhoramento da via. Diariamente, mais de 1,2 mil novos motoristas surgem no país. Mais motoristas, mais carros. É preciso ter maiores ruas, é. O governo ainda implementou uma nova instância de controle de tráfego, que, agora, vai subsidiar educação aos motoristas, para que eles conheçam as regulamentações que regem o trânsito, bem como para que melhorem a performance nas ruas.
Enquanto preocupamo-nos com não morrer atropelados, eles destruíram as calçadas. O dono do Lele Bar, o único barzinho próximo da universidade, disse que eles vão poder reabrir os negócios em 20 de maio, em uma região próxima. A custo baixo: o aluguel de 2 mil Yuan (500 reais) passará para 8 mil Yuan (2 mil reais). Não ganharam novos espaços. Quem não puder arcar com o prejuízo que compre um carro.
O nível de pobreza na China é medido mediante uma renda per capita anual de 1,3 mil Yuan ou inferior (4oo reais anuais ou menos).
A boa notícia para os trabalhadores é que eles poderão manter as portas abertas aos fumantes. A tentativa do governo de proibir o tabaco em todas as áreas públicas foi protestada por donos de estabelecimentos comerciais, e restringir-se-á apenas aos escritórios oficiais, escolas e complexos esportivos. Ainda não falaram nada sobre hospitais. Mais de 70% da população chinesa é fumante ativa, alegaram os comerciantes.
Tentativa de conter outro tipo de fumo. Semana passada mais de 30 estrangeiros foram presos por negociar substâncias ilícitas. Não sei se foi o caso, mas um rapaz negro foi preso no meu prédio na quinta, enquanto eu estendia minhas roupas no varal. Nada de Tropa de Elite. Coisa supercivilizada. E discreta.
As estações de metrô estão mudando. Fui trocar de linha me perdi. Acabei saindo da área de trânsito. Como um incentivo para que as pessoas (ainda mais pessoas) peguem o transporte público e deixem os poluidores veículos em casa (ou estacionado nas agora mais largas avenidas...), o bilhete custa 2 Yuan (0,50 centavos) para qualquer distância percorrida, independentemente das trocas de linhas necessárias. Eu, que saí da área de troca de linha, deveria ter pago um novo bilhete, mas consegui convencer o segurança, em bom chinês, que havia me perdido. Saí do curral pela porta errada. Sim, são currais agora. É o único jeito de evitar que os chineses não se matem pisoteados na corrida por um assento.
Ontem o Hu mudou de idéia: decidiu que Taiwan e China são irmãs e complementares, resolveu colocar 250 bi Yuan em investimentos na ilha e anunciou que o Tibet é um caso de relações internaiconais. Nunca houve mal em mudar de idéia, né? É só se adaptar.
O meu prédio fica em frente à Universidade, no lado norte de uma das mais importantes ruas do bairro. No lado que será destruído para o alargamento da avenida. Meu prédio está a salvo, por ficar mais para dentro, mas os restaurantes (inclusive o meu preferido), as lojas e escritórios começaram a ser destruídos neste domingo – um dia lindo de sol, primaveril, que me levou a fazer um pic-nic no parque. Na volta do passeio, já não havia mais restaurante favorito.
Hoje mesmo vi a garçonete do restaurante na rua, abraçada ao namorado. Na última vez que fomos comer lá, na sexta, tivemos uma briga com ela, eu e meu colega dos Estados Unidos. Ela sempre foi tão antipática, e sempre respondeu com um sorriso amarelo aos nossos pedidos. Hoje fiquei chocada quando saí da escola e vi que não havia mais opções. Nem para ela.
O alargamento foi aferido à necessidade de melhoramento da via. Diariamente, mais de 1,2 mil novos motoristas surgem no país. Mais motoristas, mais carros. É preciso ter maiores ruas, é. O governo ainda implementou uma nova instância de controle de tráfego, que, agora, vai subsidiar educação aos motoristas, para que eles conheçam as regulamentações que regem o trânsito, bem como para que melhorem a performance nas ruas.
Enquanto preocupamo-nos com não morrer atropelados, eles destruíram as calçadas. O dono do Lele Bar, o único barzinho próximo da universidade, disse que eles vão poder reabrir os negócios em 20 de maio, em uma região próxima. A custo baixo: o aluguel de 2 mil Yuan (500 reais) passará para 8 mil Yuan (2 mil reais). Não ganharam novos espaços. Quem não puder arcar com o prejuízo que compre um carro.
O nível de pobreza na China é medido mediante uma renda per capita anual de 1,3 mil Yuan ou inferior (4oo reais anuais ou menos).
A boa notícia para os trabalhadores é que eles poderão manter as portas abertas aos fumantes. A tentativa do governo de proibir o tabaco em todas as áreas públicas foi protestada por donos de estabelecimentos comerciais, e restringir-se-á apenas aos escritórios oficiais, escolas e complexos esportivos. Ainda não falaram nada sobre hospitais. Mais de 70% da população chinesa é fumante ativa, alegaram os comerciantes.
Tentativa de conter outro tipo de fumo. Semana passada mais de 30 estrangeiros foram presos por negociar substâncias ilícitas. Não sei se foi o caso, mas um rapaz negro foi preso no meu prédio na quinta, enquanto eu estendia minhas roupas no varal. Nada de Tropa de Elite. Coisa supercivilizada. E discreta.
As estações de metrô estão mudando. Fui trocar de linha me perdi. Acabei saindo da área de trânsito. Como um incentivo para que as pessoas (ainda mais pessoas) peguem o transporte público e deixem os poluidores veículos em casa (ou estacionado nas agora mais largas avenidas...), o bilhete custa 2 Yuan (0,50 centavos) para qualquer distância percorrida, independentemente das trocas de linhas necessárias. Eu, que saí da área de troca de linha, deveria ter pago um novo bilhete, mas consegui convencer o segurança, em bom chinês, que havia me perdido. Saí do curral pela porta errada. Sim, são currais agora. É o único jeito de evitar que os chineses não se matem pisoteados na corrida por um assento.
Ontem o Hu mudou de idéia: decidiu que Taiwan e China são irmãs e complementares, resolveu colocar 250 bi Yuan em investimentos na ilha e anunciou que o Tibet é um caso de relações internaiconais. Nunca houve mal em mudar de idéia, né? É só se adaptar.
De Cuan Di XIa (5 de abril)
A parte boa de se morar em uma cidade como Pequim é a possibilidade de escapar dela – com facilidade. Em duas ou três horas, estamos em um mundo particular; mais chinês, menos poluído. A isso se afere o ditado aqui: “Se não sentires a diferença ao respirar quando fores para os vilarejos, tu já estás em Pequim há muito tempo .”
Em uma viagem bem-organizada pelo meu primo e nossos compatriotas, alugamos uma van e rumamos ao oeste da cidade. Perto da fronteira com a província de Hebei fica Cuan Di Xia, patrimônio histórico cultural da Unesco. Uma vila da dinastia Ming, em excelente estado de conservação para seus 500 anos de história e sua destruição durante a invasão japonesa e a Revolução Cultural. O lugar é cercado por uma cadeia montanhosa e, assim, para os corajosos, um passeio por cima dos picos oferece uma visão de quase 360°.
A chegada a Cuan Di Xia leva em torno de duas horas. Três para quem “aluga” um motorista como o nosso, que jura saber o caminho, mas passa 40 minutos ao telefone tentando descobrir como se chega lá. E ainda nos olha e diz: “Se a polícia nos parar, vocês não sabem falar mandarim. Somos só pengyou”. Pengyou significa “amigo”, mas também serve para motorista, garçonete, professora, desconhecido nas ruas, gente para assinar teu contrato de aluguel. Bem fácil.
O sábado em Cun Di Xia começou com um almoço. Como o vilarejo é apenas um vilarejo, e não uma cidade, não há restaurantes, vendas, shoppings. Os locais (porque eles ainda moram lá e respiram bem, como me foi atestado) improvisam mesas nos seus quintais e servem o almoço para quem tiver interessado – e sem muitos critérios. Nós não tínhamos critério nenhum. Visto que não sabíamos o que havia no menu, a solução foi mandar dois enviados especiais, os especialistas da culinária, para a cozinha. Eles apontaram para tudo que parecia bom e seguro e, 40 minutos depois, recebemos sete pratos de tofu, carne e frango. Ah, e legumes. E arroz rosa com feijão. Foi bom, foi bom.
Depois do almoço e de uma conta de números astronômicos, fomos caminhar pelas montanhas. Como a vegetação ainda não se manifestou, foi bonito ver tudo monocolor, em tom marrom, pastel, cara de barro e poeira. Como diria o Luiz, fica a dica.
Em uma viagem bem-organizada pelo meu primo e nossos compatriotas, alugamos uma van e rumamos ao oeste da cidade. Perto da fronteira com a província de Hebei fica Cuan Di Xia, patrimônio histórico cultural da Unesco. Uma vila da dinastia Ming, em excelente estado de conservação para seus 500 anos de história e sua destruição durante a invasão japonesa e a Revolução Cultural. O lugar é cercado por uma cadeia montanhosa e, assim, para os corajosos, um passeio por cima dos picos oferece uma visão de quase 360°.
A chegada a Cuan Di Xia leva em torno de duas horas. Três para quem “aluga” um motorista como o nosso, que jura saber o caminho, mas passa 40 minutos ao telefone tentando descobrir como se chega lá. E ainda nos olha e diz: “Se a polícia nos parar, vocês não sabem falar mandarim. Somos só pengyou”. Pengyou significa “amigo”, mas também serve para motorista, garçonete, professora, desconhecido nas ruas, gente para assinar teu contrato de aluguel. Bem fácil.
O sábado em Cun Di Xia começou com um almoço. Como o vilarejo é apenas um vilarejo, e não uma cidade, não há restaurantes, vendas, shoppings. Os locais (porque eles ainda moram lá e respiram bem, como me foi atestado) improvisam mesas nos seus quintais e servem o almoço para quem tiver interessado – e sem muitos critérios. Nós não tínhamos critério nenhum. Visto que não sabíamos o que havia no menu, a solução foi mandar dois enviados especiais, os especialistas da culinária, para a cozinha. Eles apontaram para tudo que parecia bom e seguro e, 40 minutos depois, recebemos sete pratos de tofu, carne e frango. Ah, e legumes. E arroz rosa com feijão. Foi bom, foi bom.
Depois do almoço e de uma conta de números astronômicos, fomos caminhar pelas montanhas. Como a vegetação ainda não se manifestou, foi bonito ver tudo monocolor, em tom marrom, pastel, cara de barro e poeira. Como diria o Luiz, fica a dica.
Monday, March 31, 2008
De epitáfios
Agora é que a China pega fogo - trocadiho in-fa-me.
Foi anunciado ontem, como plano de uma Olimpíada sem tabaco, que não será mais permitido fumar em locais públicos.
Os fumantes regulares na China ultrapassam 350 milhões. Acho que são bem, bem mais.
Atualmente, os locais públicos que banem o fumo são cinemas, livrarias e teatro.
Notou que não citei hospital?
Cigarro tem ainda a ver com cultura e arte?
Foi anunciado ontem, como plano de uma Olimpíada sem tabaco, que não será mais permitido fumar em locais públicos.
Os fumantes regulares na China ultrapassam 350 milhões. Acho que são bem, bem mais.
Atualmente, os locais públicos que banem o fumo são cinemas, livrarias e teatro.
Notou que não citei hospital?
Cigarro tem ainda a ver com cultura e arte?
Da gelere
Ser jovem na China não é lá tarefa fácil. Estava certo Bob Dylan quando disse que queria que as pessoas encarregadas da vida política e social tivessem mais cabelo na cabeça. Aqui, têm por mero acidente genético. São todos velhos, usam óculos e acreditam que o mundo pode estar no século 21, ou 22, ou 25 – contanto que “depois da galinha venha a ovelha, depois da ovelha o touro e, depois, o comunismo”.
Mas, ainda sobre os jovens: metem-se em vielas escuras para serem jovens. Respeitam os mais velhos (enquanto não estejamos falando de transporte público), acham o MSN a maior das bênçãos tecnológicas – ainda mais se for o “cucu”; a versão nacionalista - e acomodam-se em pensar que o bem social está nas mãos dos carecas. Não pretendem mudar o mundo, não se interessam pela política nacional e, invariavelmente, num acesso de lucidez, luz ou sobriedade, reconhecem que o mundo não é aquilo que vêem no caminho entre o restaurante e seus dormitórios. Quer saber o que pensam sobre os conflitos? “É uma droga não ter Youtube!”. E a conversa pára por aí. Ouvidos moucos, bocas caladas. Segurança nacional é a palavra de ordem.
A influência estrangeira, sim, é inegável, e atende pelo nome de “indie”. Quisera eu fosse Bossa Nova o sobrenome. Não o é. Talvez seja distorção. Quanto mais gritos houver, melhor. Se um começar, os outros seguem. Se um cessar, perdeu a graça.
Confirmo minhas desconfianças ao dividir com eles o balcão de um bar qualquer onde haja música ao vivo. Agora entramos no assunto. Esse grupo de jovens que não liga lá muito para quão redondo é o mundo, assume a nova fase de jovens músicos – o grupo dos emergentes. Profundamente influenciados por Radiohead e as mais diversas derivações, arriscam-se em chamar-se “indie alternativo”. Denominação local. Cortam os cabelos à japonesa, vestem listras e gritam ao microfone. É tudo uma questão de som e imagem.
Na parede do banheiro, a prova: “Eu amo minha mãe, amo meu país e amo Carsick Cars”. Ah, eu também! Principalmente no refrão: “Hey, Johnny, He doesn’t want to/ He wants to be a rock’n’roll hero”. Simples assim. Os insurgentes. Aparecem quando a luz diminui e todos estão alcoolizados demais para saber a diferença entre a vida e o mundo exterior.
Acredita: a vida é boa, e Carsick Cars é muito bom. Mesmo. Refletem a parcela da juventude que não quer mais ouvir ao country folk, tradicional. Revoltosos do god save the queen. Gostam do som, e as palavras não interessam. É sobre a marca tradicional do cigarro plantado, colhido e embalado por gente pobre, sem dente, sob a vigia dos carecas – lá no fundo, percebe? O primeiro riff inicia e todos tocam cigarros – apagados, por sorte – na banda. Uma chuva de compreensão.
Ainda sob o efeito da influência ocidental, fecham uma roda punk para a banda francesa Vialka. Um som White Stripes com o yodelling austríaco. De francês, pouco. Foi estranho o suficiente para eu gostar.
Há, ainda, os iluminados. Aqueles que vêem por frestas e acham que cuspir no chão é normal, conquanto seja gente da mesma gente. Interessam-se por Michel Gondry e esperam, ansiosos, o último lançamento no mercado negro. São curiosos pelos olhos ocidentais – e o que mais? -, e chegam a pedir que um ocidental beije suas namoradas. Encontram-se esses raramente nos restaurantes.
Todos esses procuram a libertação num copo de cerveja local e luz escassa. Fazem os temas regularmente e “não entendem” (ou fingem, e então é somente uma suspeita)o que quer dizer todas as outras coisas. Menos importantes, lógico.
Mas, ainda sobre os jovens: metem-se em vielas escuras para serem jovens. Respeitam os mais velhos (enquanto não estejamos falando de transporte público), acham o MSN a maior das bênçãos tecnológicas – ainda mais se for o “cucu”; a versão nacionalista - e acomodam-se em pensar que o bem social está nas mãos dos carecas. Não pretendem mudar o mundo, não se interessam pela política nacional e, invariavelmente, num acesso de lucidez, luz ou sobriedade, reconhecem que o mundo não é aquilo que vêem no caminho entre o restaurante e seus dormitórios. Quer saber o que pensam sobre os conflitos? “É uma droga não ter Youtube!”. E a conversa pára por aí. Ouvidos moucos, bocas caladas. Segurança nacional é a palavra de ordem.
A influência estrangeira, sim, é inegável, e atende pelo nome de “indie”. Quisera eu fosse Bossa Nova o sobrenome. Não o é. Talvez seja distorção. Quanto mais gritos houver, melhor. Se um começar, os outros seguem. Se um cessar, perdeu a graça.
Confirmo minhas desconfianças ao dividir com eles o balcão de um bar qualquer onde haja música ao vivo. Agora entramos no assunto. Esse grupo de jovens que não liga lá muito para quão redondo é o mundo, assume a nova fase de jovens músicos – o grupo dos emergentes. Profundamente influenciados por Radiohead e as mais diversas derivações, arriscam-se em chamar-se “indie alternativo”. Denominação local. Cortam os cabelos à japonesa, vestem listras e gritam ao microfone. É tudo uma questão de som e imagem.
Na parede do banheiro, a prova: “Eu amo minha mãe, amo meu país e amo Carsick Cars”. Ah, eu também! Principalmente no refrão: “Hey, Johnny, He doesn’t want to/ He wants to be a rock’n’roll hero”. Simples assim. Os insurgentes. Aparecem quando a luz diminui e todos estão alcoolizados demais para saber a diferença entre a vida e o mundo exterior.
Acredita: a vida é boa, e Carsick Cars é muito bom. Mesmo. Refletem a parcela da juventude que não quer mais ouvir ao country folk, tradicional. Revoltosos do god save the queen. Gostam do som, e as palavras não interessam. É sobre a marca tradicional do cigarro plantado, colhido e embalado por gente pobre, sem dente, sob a vigia dos carecas – lá no fundo, percebe? O primeiro riff inicia e todos tocam cigarros – apagados, por sorte – na banda. Uma chuva de compreensão.
Ainda sob o efeito da influência ocidental, fecham uma roda punk para a banda francesa Vialka. Um som White Stripes com o yodelling austríaco. De francês, pouco. Foi estranho o suficiente para eu gostar.
Há, ainda, os iluminados. Aqueles que vêem por frestas e acham que cuspir no chão é normal, conquanto seja gente da mesma gente. Interessam-se por Michel Gondry e esperam, ansiosos, o último lançamento no mercado negro. São curiosos pelos olhos ocidentais – e o que mais? -, e chegam a pedir que um ocidental beije suas namoradas. Encontram-se esses raramente nos restaurantes.
Todos esses procuram a libertação num copo de cerveja local e luz escassa. Fazem os temas regularmente e “não entendem” (ou fingem, e então é somente uma suspeita)o que quer dizer todas as outras coisas. Menos importantes, lógico.
Tuesday, March 25, 2008
Querida,
Passei a semana toda pensando que segunda-feira ia chegar, e eu não estaria aí. Isso abalou meu humor, minha concentração, mas fiquei esperando. Esperando por segunda-feira. Sábado, quando te tirei da cama, percebi que era ok, que eu podia chorar. Que eu podia já sentir saudade. Ainda me é estranho; parecia que eu precisava da semana de adaptação.
Primeiro eram dias. Depois, semanas. Chegou o ano, e eu senti sob a pele um arrepio. Não fiz o que te falei que faria. Não passei o dia no templo, olhando para o céu e procurando compreensão. Também não fui à aula. Fiquei perambulando pela cidade, enchendo-me de ar poluído e chá. Pensei que, se não podia estar aí, não importava o que eu fizesse aqui. Só importava o que estava sentindo. E tudo que vivemos nesse tempo.
Sentei em frente ao computador mil vezes. Queria te mandar um e-mail, escrever um texto bonito. Tentei também algo lúcido, a crise do país, aquelas palavras que começam com T sobre as quais eu não deveria falar, mas todo mundo queria saber. Porém, só me vinha à cabeça aquela palavra com S, que nós brasileiros nos orgulhamos em dizer, aos quatro ventos, que é nossa e ninguém tira. Não tentei explicar aqui o que significa e o que exatamente esse sentimento me causava. Não há explicação.
Queria estar aí. Segurar a tua mão enquanto nos escorrem as lágrimas. Depois, enxugar o nariz com um riso amarelado pelo tempo. Queria poder te proteger daqueles que passam a mão em teus cabelos e dizem: “É a vida, e tudo vai ficar bem”. Tudo não pode ficar bem, e a vida é o que é. É infame. É poluída. É perambular por aí.
Depois do aniversário, quando vi aquele homem bonito, em seu terno azul, agachado arrumando flores na cabeceira do túmulo do filho, vi que áqüea palavra com S era muito mais do que mera questão lingüística. Era uma imagem que ficaria para sempre gravada em minha cabeça. Assim como tantas outras.
Acabada segunda-feira, estamos bem de novo?! Passam horas, dias, depois semanas. E nada mudou. Ou mudou, e a gente nem soube dizer. Espero que tenha mudado. Não só na ausência, mas na “presença da ausência”, como disse o Ric. Não que sejamos levados a encarar os absurdos da vida como aprendizados – essa conversa me enche e, ao mesmo tempo, conforta de forma muito irritante -, mas que sejamos mais alguma coisa.
Agora, longe é o lugar mais solitário do mundo. E se releva isso também. É como tu disseste: não podemos estar em dois lugares ao mesmo tempo. Queria que ter te conhecido na noite do show do Fito Paez mesmo.
No mais, espero...
Muita S. Muita mesmo.
Love you!
Morena
Passei a semana toda pensando que segunda-feira ia chegar, e eu não estaria aí. Isso abalou meu humor, minha concentração, mas fiquei esperando. Esperando por segunda-feira. Sábado, quando te tirei da cama, percebi que era ok, que eu podia chorar. Que eu podia já sentir saudade. Ainda me é estranho; parecia que eu precisava da semana de adaptação.
Primeiro eram dias. Depois, semanas. Chegou o ano, e eu senti sob a pele um arrepio. Não fiz o que te falei que faria. Não passei o dia no templo, olhando para o céu e procurando compreensão. Também não fui à aula. Fiquei perambulando pela cidade, enchendo-me de ar poluído e chá. Pensei que, se não podia estar aí, não importava o que eu fizesse aqui. Só importava o que estava sentindo. E tudo que vivemos nesse tempo.
Sentei em frente ao computador mil vezes. Queria te mandar um e-mail, escrever um texto bonito. Tentei também algo lúcido, a crise do país, aquelas palavras que começam com T sobre as quais eu não deveria falar, mas todo mundo queria saber. Porém, só me vinha à cabeça aquela palavra com S, que nós brasileiros nos orgulhamos em dizer, aos quatro ventos, que é nossa e ninguém tira. Não tentei explicar aqui o que significa e o que exatamente esse sentimento me causava. Não há explicação.
Queria estar aí. Segurar a tua mão enquanto nos escorrem as lágrimas. Depois, enxugar o nariz com um riso amarelado pelo tempo. Queria poder te proteger daqueles que passam a mão em teus cabelos e dizem: “É a vida, e tudo vai ficar bem”. Tudo não pode ficar bem, e a vida é o que é. É infame. É poluída. É perambular por aí.
Depois do aniversário, quando vi aquele homem bonito, em seu terno azul, agachado arrumando flores na cabeceira do túmulo do filho, vi que áqüea palavra com S era muito mais do que mera questão lingüística. Era uma imagem que ficaria para sempre gravada em minha cabeça. Assim como tantas outras.
Acabada segunda-feira, estamos bem de novo?! Passam horas, dias, depois semanas. E nada mudou. Ou mudou, e a gente nem soube dizer. Espero que tenha mudado. Não só na ausência, mas na “presença da ausência”, como disse o Ric. Não que sejamos levados a encarar os absurdos da vida como aprendizados – essa conversa me enche e, ao mesmo tempo, conforta de forma muito irritante -, mas que sejamos mais alguma coisa.
Agora, longe é o lugar mais solitário do mundo. E se releva isso também. É como tu disseste: não podemos estar em dois lugares ao mesmo tempo. Queria que ter te conhecido na noite do show do Fito Paez mesmo.
No mais, espero...
Muita S. Muita mesmo.
Love you!
Morena
Friday, March 21, 2008
De caridade tem cura
Só para lembrar que todo dia 23 é dia de ceder o assento no transporte público de Beijing aos mais velhos, às grávidas e aos deficientes.
Tem hora para tudo. Para caridade também, uai.
Tem hora para tudo. Para caridade também, uai.
Monday, March 17, 2008
De cidades do futuro II
Época de olimpíadas: “um mundo, um sonho”. Sem verbo. E pode-se dormir com esse barulho, essa fumaça, essa gente que caminha sem parar, e não pára quando os outros querem caminhar?! Nada menos lógico do que a velha cidade do futuro.
O arranha-céu espelhado ficou pronto em treze dias. As obras em frente a tua casa? Talvez um terceiro trimestre. Enquanto isso, pratica o salto à distância e visita a exposição do Michael Jordan - e estilhaça a musculatura. Ou paga R$ 3 para o velhinho na esquina pedalar os 5 metros que tu não queres caminhar. Ou melhor: encontra alguém que aceite te carregar numa liteira – um must! Paga outros R$ 2 para comer a comida que sobrou de ontem lavada em molho de pimenta velha e adocicada – não é assim que se faz no mundo todo?! Talvez, colocados mais uns R$ 2, pode-se levar, de brinde (é tudo de grátis!), uma boa dose de dor no estômago. E se tiveres muita, muita sorte, uma doença para a qual já exista a cura.
Sofre-se de inadimplência, nada demais. Pagar R$ 50 para ter tua pressão medida e um carinhoso pedido médico: “Esse foi o resultado. Escreve aí”. Eu? Mas quem disse que posso escrever resultados de exames clínicos? Como se soletra?
Ou ainda: olha com desconfiança e crítica as ocidentais fumarem (esse povo é do demo e de nada sabe!) e, depois, seminua, dança conforme a música sob a luz neon, cigarro numa mão, whisky na outra (e uma terceira mão sabe onde?!). O olhar de desaprovação, constante, intermitente, perde-se no palco que flutua ou é só a fumaça da maconha que desvia o pensamento das valas?
Cuidado, contudo: a ironia e a sátira foram proibidas por lei na primavera de 42. E dizem por aí que quem desafiou o preceito acabou morrendo de língua roxa e dedo sujo. “A disciplina de uma outra língua revela a verdade com maior clareza”. Dito popular.
Não se pode falar em plural majestático. Eu sou, tu és, mas nós? Nós somos poucos. Talvez um. Quiçá dois. Pouco mais do que isso, não tem. Os estrangeiros – e, vê bem, eles – são como plantações de sorgo ao redor das papoulas; um verniz que fica bem aos olhos menos atentos. É uma vida de títere essa do refúgio (da teoria, não o substantivo). Politicamente não-confiáveis são chamados retrógrados e todo cuspe no chão vem de um asiático (e nunca o contrário).
O arranha-céu espelhado ficou pronto em treze dias. As obras em frente a tua casa? Talvez um terceiro trimestre. Enquanto isso, pratica o salto à distância e visita a exposição do Michael Jordan - e estilhaça a musculatura. Ou paga R$ 3 para o velhinho na esquina pedalar os 5 metros que tu não queres caminhar. Ou melhor: encontra alguém que aceite te carregar numa liteira – um must! Paga outros R$ 2 para comer a comida que sobrou de ontem lavada em molho de pimenta velha e adocicada – não é assim que se faz no mundo todo?! Talvez, colocados mais uns R$ 2, pode-se levar, de brinde (é tudo de grátis!), uma boa dose de dor no estômago. E se tiveres muita, muita sorte, uma doença para a qual já exista a cura.
Sofre-se de inadimplência, nada demais. Pagar R$ 50 para ter tua pressão medida e um carinhoso pedido médico: “Esse foi o resultado. Escreve aí”. Eu? Mas quem disse que posso escrever resultados de exames clínicos? Como se soletra?
Ou ainda: olha com desconfiança e crítica as ocidentais fumarem (esse povo é do demo e de nada sabe!) e, depois, seminua, dança conforme a música sob a luz neon, cigarro numa mão, whisky na outra (e uma terceira mão sabe onde?!). O olhar de desaprovação, constante, intermitente, perde-se no palco que flutua ou é só a fumaça da maconha que desvia o pensamento das valas?
Cuidado, contudo: a ironia e a sátira foram proibidas por lei na primavera de 42. E dizem por aí que quem desafiou o preceito acabou morrendo de língua roxa e dedo sujo. “A disciplina de uma outra língua revela a verdade com maior clareza”. Dito popular.
Não se pode falar em plural majestático. Eu sou, tu és, mas nós? Nós somos poucos. Talvez um. Quiçá dois. Pouco mais do que isso, não tem. Os estrangeiros – e, vê bem, eles – são como plantações de sorgo ao redor das papoulas; um verniz que fica bem aos olhos menos atentos. É uma vida de títere essa do refúgio (da teoria, não o substantivo). Politicamente não-confiáveis são chamados retrógrados e todo cuspe no chão vem de um asiático (e nunca o contrário).
Saturday, March 15, 2008
De cidades do futuro
Funciona mais ou menos assim, o mundo das desculpas. Eu não tinha internet, não tinha inspiração, meu teclado se reconfigurou sozinho e eu perdi acentos e ponto de interrogação (?!), eu tinha muitos temas para fazer, tinha que decorar 40 novos ideogramas por dia (para uma única aula – isso seria como aprender uma língua do leste-europeu a cada três dias), e me faltava muita inspiração. Isso tudo somado aos meus problemas de personalidade: a) nada que eu possa dizer pode ser interessante para alguém; b) o fato de o blogspot.com ser proibido aqui me incomodava bastante.
Mas eis que meu novo amigo francês – um rapazito de 19 anos com uma das melhores cabeças que eu encontrei por aqui – apresentou-me um site que possibilita burlar as questões políticas e, assim, eu acessei o blog. Dos meus amigos. Acordei cedo hoje e li a Luli. Preciso dizer que essa menina é meu orgulho. Li a Fêcris e vi que o último post era um beijo para mim. Recebi alguns e-mails de amigos (da Luli, inclusive), perguntando onde eu andava e se ainda lembrava deles. Lembro tanto que senti uma necessidade de esquecer por um instante meu próprio umbigo (e, neste momento, o umbigo dos meus professores da universidade dos 12 zilhões de caracteres/hora) para dizer que estou bem.
Tem sido bastante diferente morar por mais do que um mês em um lugar. Foi preciso assumir a vida aqui, alugar apartamento, comprar panelas. Dei sorte de encontrar uma chinesa, estudante de mídia, para dividir as angústias e a assinatura do contrato. Ela agora é namorada do rapazito e, então, passamos boa parte do tempo sentados vendo filmes, escutando música e discutindo por que o futuro da música pertence ao Tom Yorke. Bela companhia.
É sempre um olhando sobre o ombro do outro e Mao olhando por todos. Muitas vezes isso me enche de tédio. Os olhos curiosos no metrô me trazem uma idéia de este lugar ser, ainda, algo bastante primitivo. Nada de bons modos, nada de modos, por assim dizer. Assim, o negócio é levar a vida mais ou menos como um chinês faz: empurrar todo mundo para dentro dos ônibus e fazer das refeições a maior ocasião do dia. Eventualmente me levo a algum bar obscuro onde possa ouvir alguma música e fingir que eu não sinto fome. É como o Caio disse: “Aos vinte anos se sabe pouco além da própria fome”.
Além de estudar a tarde toda, então, é isso que tenho feito. Vi o Infected Mushroom tocar e a banda chinesa Ziyo que, por sinal, merece uma atenção no myspace.com/ziyo. Uma das melhores performances que já vi e das melhores coisas que escutei nos últimos tempos. Sábado que vem quero ver outra banda, e assim vai.
E, para conformar a Luli pela perda (com d!) da carteira e da proteção oriental que eu tinha dado para ela, vou procurar uma nova hoje – e bem mais bonita, que é para combinar com a dona. Além disso, queria dizer à viajante solitária: “And only because He had no place He could stay in without getting tired of it and because there was nowhere to go but everywhere, keep rolling under the stars, generally the Western stars (…) Beyond the glittering street was darkness, and beyond the darkness the West. I had to go ”. Jack Kerouac, On the Road.
Mas eis que meu novo amigo francês – um rapazito de 19 anos com uma das melhores cabeças que eu encontrei por aqui – apresentou-me um site que possibilita burlar as questões políticas e, assim, eu acessei o blog. Dos meus amigos. Acordei cedo hoje e li a Luli. Preciso dizer que essa menina é meu orgulho. Li a Fêcris e vi que o último post era um beijo para mim. Recebi alguns e-mails de amigos (da Luli, inclusive), perguntando onde eu andava e se ainda lembrava deles. Lembro tanto que senti uma necessidade de esquecer por um instante meu próprio umbigo (e, neste momento, o umbigo dos meus professores da universidade dos 12 zilhões de caracteres/hora) para dizer que estou bem.
Tem sido bastante diferente morar por mais do que um mês em um lugar. Foi preciso assumir a vida aqui, alugar apartamento, comprar panelas. Dei sorte de encontrar uma chinesa, estudante de mídia, para dividir as angústias e a assinatura do contrato. Ela agora é namorada do rapazito e, então, passamos boa parte do tempo sentados vendo filmes, escutando música e discutindo por que o futuro da música pertence ao Tom Yorke. Bela companhia.
É sempre um olhando sobre o ombro do outro e Mao olhando por todos. Muitas vezes isso me enche de tédio. Os olhos curiosos no metrô me trazem uma idéia de este lugar ser, ainda, algo bastante primitivo. Nada de bons modos, nada de modos, por assim dizer. Assim, o negócio é levar a vida mais ou menos como um chinês faz: empurrar todo mundo para dentro dos ônibus e fazer das refeições a maior ocasião do dia. Eventualmente me levo a algum bar obscuro onde possa ouvir alguma música e fingir que eu não sinto fome. É como o Caio disse: “Aos vinte anos se sabe pouco além da própria fome”.
Além de estudar a tarde toda, então, é isso que tenho feito. Vi o Infected Mushroom tocar e a banda chinesa Ziyo que, por sinal, merece uma atenção no myspace.com/ziyo. Uma das melhores performances que já vi e das melhores coisas que escutei nos últimos tempos. Sábado que vem quero ver outra banda, e assim vai.
E, para conformar a Luli pela perda (com d!) da carteira e da proteção oriental que eu tinha dado para ela, vou procurar uma nova hoje – e bem mais bonita, que é para combinar com a dona. Além disso, queria dizer à viajante solitária: “And only because He had no place He could stay in without getting tired of it and because there was nowhere to go but everywhere, keep rolling under the stars, generally the Western stars (…) Beyond the glittering street was darkness, and beyond the darkness the West. I had to go ”. Jack Kerouac, On the Road.
Monday, February 25, 2008
De verdades substituíveis
Ah, sim. Foi mesmo um plano infalível preparar-se para a China em Londres. O eterno retorno. Será? Talvez alguém tenha que me explicar isso novamente, pois ninguém é pretensioso o bastante para escolher deliberadamente gastar o dinheiro alheio em libras e ainda achar que Londres é a mesma de oito anos atrás. Nem o viajante poderia ser. Ambos podem ter – ou terem sido – muitas outras coisas neste meio tempo. O que é um belo convite à falsa pluralidade.
Explica-se. Londres é uma grande metrópole e os aquarianos são diversos. Verdades, mais do que mitos, ambos carregam sobre si a “missão” da generalidade convicta de um quê especial. Foi-me dito que há um curioso fazendo um levantamento de todas as nacionalidades existentes na pequena grande capital da diversidade. Parece que lhe faltam apenas cinco representantes de algum dos cinco (e, em se falando de Londres, poder-se-ia arriscar um número maior de cantos possíveis de onde pessoas poderiam sair para visitar a terra da rainha e servir café em um bar qualquer) cantos do mundo. Todos esses [X-5] testam-se em suas habilidades de trocar frases em seus próprios dialetos na mais alta voz. E é preciso que sejam ouvidos; eis a verdade da fama plural.
Representantes de grande quorum desses falsos estranhos (já que todos tentam, no seu máximo, o nem tão autêntico sotaque britânico) são os chineses. Ou melhor, as chinesas flamboyant de Londres. Uma prévia bem-feita, salvo suas derivações. Dividir a porta do metrô com as chinesas londrinas é diferente de se dividir o metrô com as chinesas da China. Um caso é um cheesecake de amora, perfeito em suas colorações. Outro, é uma torta de bolacha Maria. Rostinho colado uma na outra mesmo – afinal, quem ainda pode contar quantos cantos do mundo convergem na população do Império do Meio?
Ou então, quem pode dizer que a mesma pessoa de oito anos atrás passaria uma tarde inteira assistindo ao musical de O Senhor dos Anéis? A diversidade faz parte do crescimento, oras. Mas saliento que, definitivamente, não é o meu programa favorito. Pode ser fácil de imaginar a experiência de assistir a um espetáculo desses ( a mais cara produção do momento) ao lado de diversos chinesinhos de aparelho. Isso, sim, me lembra oito anos atrás. A melhor parte do interminável caso foi tentar adivinhar como três livros de 12 zilhões de páginas seriam traduzidos em três atos de pura e inofensiva música brega. Nossas apostas eram: 1º ato – Eu sou um Hobbit; 2º ato – Eu tenho um anel; 3º ato - . Bom, não havia um terceiro ato na minha história com o John. E a pergunta que não queria calar na minha cabeça era: mas o Gargamel não era do mal? Mas isso foi uma outra história.
E daí que mais chineses foram descobertos passeando, no sábado à tarde, pelo Camden Market. Aí, sim, havia de tudo. E o melhor: é possível barganhar em Londres também. Brava herança oriental – ou adequação ao público-alvo. Brindei a diversidade com seis barganhas de novos velhos produtos.
Não sendo oriental, foi um ato de audácia levar um relógio por 1 libra e 30 pence. Aqui na China já é mais difícil ser oriental. É só chegar perto de uma central de informações que os atendentes abanam suas mãos em negativas (acabo de perceber que, ao escrever mão, no singular, sem acento, o computador automaticamente corrige para Mao – até por aqui, senhor?). É preciso iniciar uma conversa em mandarim para que eles se encorajem a responder. Claro, é preciso fazer isso em um volume mais forte, para distraí-los da abanação. Desta vez foi mais fácil. O eterno retorno (de novo?!) para a China. É certamente o caso de um país oriental mais bem preparado ou de uma Fernanda menos ignorante. Para ambos os casos contamos com a ajuda dos malaios, os representantes oficiais da ternura latina pros lados de cá.
A diferença é notável ao submeter-se ambas as experiências iniciais à comparação: os primeiros dias em Shanghai (sob a pressão de serem, aqueles, os primeiros dias fora da civilização grego-romana) e o primeiro dia em Pequim. Na capital, os chineses esperam que os demais chineses desembarquem do metrô antes que tentem embarcar. Isso pode facilmente parecer um reflexo de um plano civilizatório maior em curto prazo, pré-olímpico. Ou poderia mesmo ser o costume local – e, assim, a absolvição da má fama pela diferença. Poderia ser causado pelos jogos? Ou seria mesmo a razão para que as bolas rolassem por aqui? O que é causa é, necessariamente, também um reflexo? Ou um é resultado do outro? O reflexo é um resultado (e agora, olhando-me no espelho, penso que pode ser mesmo o resultado de um longo vôo ao lado de um possível viciado em heroína sob uma crise de abstinência à la Cristiane F.)? Essas perguntas não parecem indolentes. Aqui todos se parecem tanto uns com os outros que fica difícil apontar onde começa e onde termina a linha, o que entra e o que sai, quem vai e para onde vêm. E é por isso que escolhi as novelas chinesas como material de auxílio nos estudos da língua e na proliferação da investigação sobre a verdade cotidiana da diversidade de casos envolvendo a mulher traída, o marido que trabalha demais e o filho problemático.
Explica-se. Londres é uma grande metrópole e os aquarianos são diversos. Verdades, mais do que mitos, ambos carregam sobre si a “missão” da generalidade convicta de um quê especial. Foi-me dito que há um curioso fazendo um levantamento de todas as nacionalidades existentes na pequena grande capital da diversidade. Parece que lhe faltam apenas cinco representantes de algum dos cinco (e, em se falando de Londres, poder-se-ia arriscar um número maior de cantos possíveis de onde pessoas poderiam sair para visitar a terra da rainha e servir café em um bar qualquer) cantos do mundo. Todos esses [X-5] testam-se em suas habilidades de trocar frases em seus próprios dialetos na mais alta voz. E é preciso que sejam ouvidos; eis a verdade da fama plural.
Representantes de grande quorum desses falsos estranhos (já que todos tentam, no seu máximo, o nem tão autêntico sotaque britânico) são os chineses. Ou melhor, as chinesas flamboyant de Londres. Uma prévia bem-feita, salvo suas derivações. Dividir a porta do metrô com as chinesas londrinas é diferente de se dividir o metrô com as chinesas da China. Um caso é um cheesecake de amora, perfeito em suas colorações. Outro, é uma torta de bolacha Maria. Rostinho colado uma na outra mesmo – afinal, quem ainda pode contar quantos cantos do mundo convergem na população do Império do Meio?
Ou então, quem pode dizer que a mesma pessoa de oito anos atrás passaria uma tarde inteira assistindo ao musical de O Senhor dos Anéis? A diversidade faz parte do crescimento, oras. Mas saliento que, definitivamente, não é o meu programa favorito. Pode ser fácil de imaginar a experiência de assistir a um espetáculo desses ( a mais cara produção do momento) ao lado de diversos chinesinhos de aparelho. Isso, sim, me lembra oito anos atrás. A melhor parte do interminável caso foi tentar adivinhar como três livros de 12 zilhões de páginas seriam traduzidos em três atos de pura e inofensiva música brega. Nossas apostas eram: 1º ato – Eu sou um Hobbit; 2º ato – Eu tenho um anel; 3º ato - . Bom, não havia um terceiro ato na minha história com o John. E a pergunta que não queria calar na minha cabeça era: mas o Gargamel não era do mal? Mas isso foi uma outra história.
E daí que mais chineses foram descobertos passeando, no sábado à tarde, pelo Camden Market. Aí, sim, havia de tudo. E o melhor: é possível barganhar em Londres também. Brava herança oriental – ou adequação ao público-alvo. Brindei a diversidade com seis barganhas de novos velhos produtos.
Não sendo oriental, foi um ato de audácia levar um relógio por 1 libra e 30 pence. Aqui na China já é mais difícil ser oriental. É só chegar perto de uma central de informações que os atendentes abanam suas mãos em negativas (acabo de perceber que, ao escrever mão, no singular, sem acento, o computador automaticamente corrige para Mao – até por aqui, senhor?). É preciso iniciar uma conversa em mandarim para que eles se encorajem a responder. Claro, é preciso fazer isso em um volume mais forte, para distraí-los da abanação. Desta vez foi mais fácil. O eterno retorno (de novo?!) para a China. É certamente o caso de um país oriental mais bem preparado ou de uma Fernanda menos ignorante. Para ambos os casos contamos com a ajuda dos malaios, os representantes oficiais da ternura latina pros lados de cá.
A diferença é notável ao submeter-se ambas as experiências iniciais à comparação: os primeiros dias em Shanghai (sob a pressão de serem, aqueles, os primeiros dias fora da civilização grego-romana) e o primeiro dia em Pequim. Na capital, os chineses esperam que os demais chineses desembarquem do metrô antes que tentem embarcar. Isso pode facilmente parecer um reflexo de um plano civilizatório maior em curto prazo, pré-olímpico. Ou poderia mesmo ser o costume local – e, assim, a absolvição da má fama pela diferença. Poderia ser causado pelos jogos? Ou seria mesmo a razão para que as bolas rolassem por aqui? O que é causa é, necessariamente, também um reflexo? Ou um é resultado do outro? O reflexo é um resultado (e agora, olhando-me no espelho, penso que pode ser mesmo o resultado de um longo vôo ao lado de um possível viciado em heroína sob uma crise de abstinência à la Cristiane F.)? Essas perguntas não parecem indolentes. Aqui todos se parecem tanto uns com os outros que fica difícil apontar onde começa e onde termina a linha, o que entra e o que sai, quem vai e para onde vêm. E é por isso que escolhi as novelas chinesas como material de auxílio nos estudos da língua e na proliferação da investigação sobre a verdade cotidiana da diversidade de casos envolvendo a mulher traída, o marido que trabalha demais e o filho problemático.
De verdades substituíveis (cont)
Mas eu estava mesmo era no metrô. Momento de pressão para uma rápida reconfiguração de noções infantis. O mesmo cheiro de nylon e veludo cotelê embebidos em pigarro de tabaco barato. O mesmo de Shanghai, mesmo que pretensamente disfarçado de seda. Porque, em Shanghai, faz-se ouvidos moucos para todas essas bobagens. Londres é mesmo uma pletora. Pronto, substantifiquei o adjetivo. Londrinos flamboyant merecem, no melhor estilo anos 60.
Eu pensei em tudo isso no metrô. E daí vi meu primo. Bateu aquela fome, e nós paramos para que eu me abastecesse de 10 mini baozi por 1 real. No caminho de volta para o hotel, passei no mercadinho para abastecer o frigobar aqui do hotel. Acabei saindo com frutas e um biscoito que é difícil dizer se é doce ou salgado. Pensei que, após as recorrentes tentativas do John de desmistificação de que a cozinha britânica é a pior do mundo, devo ter reservas para a primeira semana de viver de frigobar e comida ensacada.
E é preciso dizer algo sobre o John. Ele é o menino-mago do outro musical aquele (blé!) e um excelente cozinheiro. Ou um grande enganador, porque o mistério que envolve a culinária britânica foi, para mim, resolvido depois do Yorkshire Pudding. Confesso que, depois de um dia todo visitando o Museu da História Natural, o Museu da Ciência e, depois, passando do criador para as criaturas, os museus V&A, a Galeria Nacional e a cadeira do Van Gogh, eu precisava mesmo de alguma comida de conforto. Juro que, pensando nisso, fiquei hoje tentada a experimentar a “booy massage” que tem aqui ao lado do meu hotel. Porém, isso só depois de lavar as minhas roupas íntimas na pia e comer uma bergamota. Porque é possível achar fruta em qualquer canto do mundo da China.
E, no papel assumido de uma caçadora feminina - e com um pouco mais de cabelos - de mitos, abro o “auto desafio” para sugestões de nossas maculadas cabecinhas ocidentais. Vou descobrir a verdade e toda a verdade sobre os mitos do antigo mundo. Palavra. Essa história, por exemplo, de que não há liberdade de expressão no Império do Meio é uma falácia, reflexo resultante (wow!) de nossas brigas intestinas em aceitar que nós, descendentes diretos dos greco-romanos estávamos ainda escalando árvores quando um chinês qualquer (ou teria sido um bando deles?) inventou a filosofia. Só na TV do meu hotel, por exemplo, há 50 canais. Sendo 20 deles versões diferentes da CCTV, a TV estatal. Então, viva a pluralidade das idéias.
Mas claro que tudo isso é ficção. Eu pensei nisso tudo no metrô hoje à tarde.
Eu pensei em tudo isso no metrô. E daí vi meu primo. Bateu aquela fome, e nós paramos para que eu me abastecesse de 10 mini baozi por 1 real. No caminho de volta para o hotel, passei no mercadinho para abastecer o frigobar aqui do hotel. Acabei saindo com frutas e um biscoito que é difícil dizer se é doce ou salgado. Pensei que, após as recorrentes tentativas do John de desmistificação de que a cozinha britânica é a pior do mundo, devo ter reservas para a primeira semana de viver de frigobar e comida ensacada.
E é preciso dizer algo sobre o John. Ele é o menino-mago do outro musical aquele (blé!) e um excelente cozinheiro. Ou um grande enganador, porque o mistério que envolve a culinária britânica foi, para mim, resolvido depois do Yorkshire Pudding. Confesso que, depois de um dia todo visitando o Museu da História Natural, o Museu da Ciência e, depois, passando do criador para as criaturas, os museus V&A, a Galeria Nacional e a cadeira do Van Gogh, eu precisava mesmo de alguma comida de conforto. Juro que, pensando nisso, fiquei hoje tentada a experimentar a “booy massage” que tem aqui ao lado do meu hotel. Porém, isso só depois de lavar as minhas roupas íntimas na pia e comer uma bergamota. Porque é possível achar fruta em qualquer canto do mundo da China.
E, no papel assumido de uma caçadora feminina - e com um pouco mais de cabelos - de mitos, abro o “auto desafio” para sugestões de nossas maculadas cabecinhas ocidentais. Vou descobrir a verdade e toda a verdade sobre os mitos do antigo mundo. Palavra. Essa história, por exemplo, de que não há liberdade de expressão no Império do Meio é uma falácia, reflexo resultante (wow!) de nossas brigas intestinas em aceitar que nós, descendentes diretos dos greco-romanos estávamos ainda escalando árvores quando um chinês qualquer (ou teria sido um bando deles?) inventou a filosofia. Só na TV do meu hotel, por exemplo, há 50 canais. Sendo 20 deles versões diferentes da CCTV, a TV estatal. Então, viva a pluralidade das idéias.
Mas claro que tudo isso é ficção. Eu pensei nisso tudo no metrô hoje à tarde.
Monday, February 11, 2008
De hedonismo
"O lado poético, instaurador, sobredetermina o prosaico, regulador, ao mesmo tempo em que é sobredeterminado por ele, e é dessa nebulosa que emerge um sentimento de deriva e uma constelação civilizatória, que só um marxismo aberto, ou um metamarxismo, será capaz de entender.
[...] Se o homem real, corpóreo, vive na formação primitiva uma unidade indissolúvel entre a subjetividade e as objetivações do trabalho e da produção, o processo histórico se incumbiu de contrapô-las inexoravelmente, não apenas exibindo a nudez do trabalhador, mas submetendo-o a constrições, padecimentos e alienações, como se o homem tivesse perdido o respeito por si próprio. Auto-alienado, acabou por entregar a natureza e a si próprio a outrem. Mesmo agora, em tempos de globalizações neoliberais, essa constante se mantém, ainda que a potência revolucionária pareça aplacada e inerme. A qualquer momento, porém, essa força indômita e espectral pode perfeitamente voltar a questionar a solidez do império planetário, batendo de frente no 'estado de guerra de conquista' em que o poder do Estado e da indústria se converteram."
[...] Se o homem real, corpóreo, vive na formação primitiva uma unidade indissolúvel entre a subjetividade e as objetivações do trabalho e da produção, o processo histórico se incumbiu de contrapô-las inexoravelmente, não apenas exibindo a nudez do trabalhador, mas submetendo-o a constrições, padecimentos e alienações, como se o homem tivesse perdido o respeito por si próprio. Auto-alienado, acabou por entregar a natureza e a si próprio a outrem. Mesmo agora, em tempos de globalizações neoliberais, essa constante se mantém, ainda que a potência revolucionária pareça aplacada e inerme. A qualquer momento, porém, essa força indômita e espectral pode perfeitamente voltar a questionar a solidez do império planetário, batendo de frente no 'estado de guerra de conquista' em que o poder do Estado e da indústria se converteram."
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